quarta-feira, dezembro 19, 2007

O avesso

Quem sabe com quem pareço quando canto?
Ou, quem sabe, sou bem mais eu quando escuto do que quando falo.
Não sei
Ou calo
Ou mudo, no canto do quarto, baixinho eu mudo


Engano, eu sei, que coisa séria.
Melhor descer, desligar, me calar
Mas, aí pergunto, por que calar só?
Não vale mais, muito mais, apagar tudo, silenciar mesmo?

Mudo. Mas para o mesmo lado

Para qual mais seria? O avesso




terça-feira, dezembro 11, 2007

desperdício

a caneta. usava a caneta como ponte entre o ópio e suas veias

buscava a veia artística, em vãos de muitas outras

(é possível que tenha sempre errado

e os rompantes tenham sido apenas de delírio)

azul era o sangue de sua paixão

no limite, pendiam gotas virgens sobre um mundo profano
e branco

apontava a terra, em menções repetidas de semear alguma coisa

Mas era infértil.

quarta-feira, novembro 28, 2007

segunda-feira, novembro 26, 2007

Luzes

Edmilson olha para a grande tela que se extende iluminada bem no nível de sua casa. Nela, um personagem faz cara de tédio para o videogame de sempre. Sai de cena. Deve ser porque é muito mais bonito lá atrás. O copo dele ficou. Quanta coisa espalhada. Playboy, Edmilson pensou.

André olha através de sua janela e vê todas aquelas luzes. A distração custa-lhe a vida. Sem paciência para começar novamente, desliga seu game. Vai para o computador chatear com os amigos. Sabe muito bem que aqueles pontos iluminados aleatoriamente distribuídos morro afora são a favela que tanto o preocupa durante o dia. Muito mais bonita a esta hora.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Quantas coisas guardadas em papel
E duma vez vêm avalanche
Pulam e variam na tela
Vêem tudo do inverso

Confesso que pensava que eram férias
Ou do contrário, um sem tempo de labuta
A julgar de minha parte
Férias coletivas, tal a calma deste espaço

Nessas horas, quando vejo a tela enchendo
Também me liga um botão
Relapso
alguém já disse, né, certamente,
mas, só para constar:
a arte dignifica a vida.

descobrir

às vezes
há nuvens
acesas
à noite

(cai de madura uma bela metáfora
ainda longe de mim)

o belo e a fome de ser outro

a ausência da falta no belo está implícita
tu não a notas
porque não costumamos notar ausências
mas ela está ali

o belo não aponta direção
(isso é coisa de link)
está completo em si
tu topas com o belo
e nunca o pega com reminiscências de um outro dia

se tu procuras uma nostalgia
encontras a mais refinada das homenagens
o belo sintetiza seus ídolos superando-os
e te parece além

e a memória que lhe solicitas
como prova de existência
documenta em certidões vivazes
bem-vindas as rugas, os desvios e as voltas

te pegas admirando o mais simples
equivalências que em ti escondes

chegas a pensar
que ao belo só faltava teu olhar

mas
pergunte ao belo
e vê se te respondes

se achasse alguma coisa
o belo acharia melhor
que seguisses te olhando no espelho

ah, desperdiçar assim o belo
como um canibal...

Cartas do imaginário

um leitor anônimo
e imaginário
(mas isto não vem ao caso)
pediu com todas as letras
(era um longo comentário)
que escrevesse novamente
sobre religião
(é uma coisa que toca as pessoas)
e eu disse mais ou menos o seguinte

cara, imagina assim
nasceste com uma puta curiosidade sobre tudo
viste que não dava pra colocar tudo na boca
pra pegar o gosto
aceitaste, melhor os rótulos
o embalado nas prateleiras
leste o mundo nos jornais
ouviste todo o tipo de gente
gente muito refletida
e foste descansar à sombra
à sombra de uma árvore que desconheces
e que, aliás, não fazes questão de conhecer
porque, lembra, não fazes questões.
assim, deitado
te parece o céu tão longe
imagina
levará uma vida até alcançá-lo
quiçá uma vida seja o preço de merecê-lo
(mas é só um azul, ou tampouco)
e tu não te posicionas como homem
não colhe os frutos, come os que caem
teu corpo é um acidente
esperando o tempo consertar

ah, as ferrugens
vê que deuses escolheste

ascende

tem uma sílaba de arte no ar
como um cochichar de vento

tem essa parte que chama no vento
que apaga logo em seguida

e eu vou
e eu vôo

e me verás nos céus, como estrela
irei bem alto, talvez longe

e mesmo que logo
serei pra sempre
e em seguida

quinta-feira, novembro 22, 2007

com razão o fim do sonho

(vivo o sonho sem saber)

povoam-me pares
de imagens díspares
em danças íngremes
nos sonos túmulos

(depois penso que sei)

despovoado
cegado em ilha
deserto náufrago
em passo trôpego

(alucino)

colho uma colméia

sento à mesa com as abelhas

meu veneno escorre doce

(choro quando bocejo)

sexta-feira, novembro 02, 2007

O verde continua se movendo, confundindo, vários tons, e eles bailam.
Combinando com ele, só que contrapondo, a janela uiva.
É triste
Mas mais que triste, agonia.
Dançam árvores, arbustos e bandeiras
toda a sorte de pássaros voam e param no ar.
Dançam ao gemido da janela.
Mesmo tão invisível
o vento se presta a tantas imagens, todas feitas com palavras.

domingo, outubro 28, 2007

O isento

Diorando era um cara isento. Absolutamente isento. Dizia-se, tão isento que quando o encontraram de revólver à mão e camisa coberta de sangue, ao lado do corpo estirado de sua esposa, arquivaram o caso por falta de provas. Tampouco devia ser sua mulher. Uma mulher estranha, não se poderia crer companheira de Diorando, cidadão tão ilustre. E isento. O grande jornalista do país, Diorando era tão isento que lograra ser o único correpondente internacional que mantivera residência no Brasil. Os fatos e Diorando eram água e óleo, não se misturavam. Afinal, seu trabalho era contá-los, descrevê-los com maestria e neutralidade. Diorando olhos de águia. Mantinha-se longe, afastado dos acontecimentos. Era sua receita para o refinamento periodístico. Quando indagado, Diorando era magistral em seus rodeios e floreios de não dizer nada. O distintivo de sua isenção libertava-o da tarefa ordinária de opinar. Diorando não conversava, disparava veredictos. E aquilo que proclamava era tão original e puro que havia até igreja levando seu nome. Mas Diorando não se prestava a dar sermões, muito menos meter-se com política. No entanto, era conhecido em todos os meios, entre legisladores, artistas, arcebispos e funcionários públicos. Para o povo é que era um deus encarnado. Camarada imaculado, livre de todos os pecados da carne. A carne que se confunde na carne, a carne de todas as paixões, dos medos e hesitações. Era coisa linda de ver, Diorando caminhava pelo meio das ruas com o semblante sempre resoluto, como se faixas de segurança acompanhassem seus passos continuamente. O trânsito, a cidade, o mundo parava para vê-lo passar, o Diorando. Cidadão incólume, irrepreensível. Diorando rejeitara até mesmo o desapego. Era sua inclinação inata não apegar-se, de modo que lhe seria estranho desprover-se de algo que nunca tivera.

Ah, irrepetível Diorando. Quantos motivos para esquecê-lo.

Ah, célebre Diorando. Por só crerem em ti é que te desacredito.

A fome e o eufemismo

o acaso come palavras de outrem
há casas órfãs de letras

em ruas de terra batida
passa prosa poeira levanta
poesia se perde da vista

o estrago é a fome do acaso
o descaso pintado eufemismo

o asfalto só faz mais ligeiro
o assalto de um fim pelo meio

trilho sonoro (parte última)

(a cena final teria mogwai fear satan. sim, uma longa cena vai ao fim)

caminhar compenetrado
olhar fixo
desacompanhando pernas

compassos de tônus certeza
sorriso que vai se esboçando

apressa esquinas viradas
cruza ruas rajadas
sem carros, com raras pessoas
cidade se vai diversando

aurora fundida'o poente
passos suspensos de livres
vento sustenido de ardor
guitarras correntes sopradas

estradas bebidas ligeiro
amarelo se indo piscado
êxtase e gota de lágrima

grita sentido de tudo
explode sentido de nada
expande ao céu partitura
afogam-se os dedilhados

projeta-se um firmamento
créditos finais infinitos

quinta-feira, outubro 25, 2007

Sigo a cena
Sonho dela e abro os olhos

O assombro com que receberam os soldados só não foi maior porque alguém precisava botar as coisas em ordem

Um minuto e saio de foco
Aceno com um mundo de possibilidades
Avesso a tudo
Um avesso de propósito

Os gritos chegaram via autofalantes e deleitaram o conforto da sala com o espetáculo

Cego encena
perdido sem nem marca, sem nem deixa
Aturdido com o burburinho que acena
Troco em palavras

Ao mesmo tempo trocam o canal e trocam os motivos para permanecer por mais tempo o doce na língua
Ela encena novamente

E boa atriz ou mau entendedor
Pois que compro sem demora seu número

Estranho como as coisas funcionam
Mas eu prefiro assim.

quarta-feira, outubro 24, 2007

nasce

de nascer o sol
é que vive o dia
café da manhã
a luz vira em jarra

vaga pelo céu
corre pelo ar
anuncia estrela
hora de deitar

pinta de um lilás
doce de saudade
bocejo esticado
quero repetir

de cantar o galo
de dizer assim
a cor de cidade
não é cinza em mim

ave que assobia
hora de acordar
a seguir o vento
vem me despertar

sonho de janela
aberta que dormiu
dela eu vejo um filme
sonhou que existiu

O viaduto

E, no entanto, o irrepetível repetiu-se. A subida a pé pelo viaduto da João Pessoa, à margem do grande Parque Farroupilha, proporcionou-me sensação semelhante. Era e é Porto Alegre. Meu caminhar determinando o movimento da cena, sol determinando luz e sombra, aos efeitos dos prédios. Um morro ao fundo, mas ao lado... ao lado uma aquarela de verdes, dos mais diversos. Como é lindo ver brotar da terra árvores tão eternas e tão silenciosas. A vida caótica de uma cidade desacontece neste fim de tarde. Eu sigo em câmera, lentamente vago pela cena, o pescoço sempre à esquerda. Lá embaixo tem um lago, meio verde escuro, meio preto de sombra. Há pontos que são tartarugas e riscos de peixes graúdos. O quadro me foge à moldura, quando tudo é irreparável, onde é que eu reparo? É uma esquina mágica, linhas tomando três dimensões. O lindo e antigo prédio da universidade, crescido às sementes do parque, que o vento atravessa uma rua. O conhecimento sintetizado numa construção sólida, mas sofrida do tempo, esperando por mãos restauradoras. Um quadro raro, sem pontos que fugissem, em que só o meu trânsito era trânsitório, mas nada de fugaz ali reteria minha memória. As copas, as grandes copas de dois verdes. Nunca é tarde para ver uma tarde assim, pintada nas árvores.

terça-feira, outubro 23, 2007

Evaporar - Rodrigo Amarante [mestre]

Tempo a gente tem
Quanto a gente dá
Corre o que correr
Custa o que custar

Tempo a gente dá
Quanto a gente tem
Custa o que correr
Corre o que custar

O tempo que eu perdi
Só agora eu sei
Aprender a dar
Foi o que ganhei

E ando ainda atrás
Desse tempo ter
Pude não correr
Dele me encontrar

Ahh não se mexeu
Beija-flor no ar

O rio fica lá
A água é que correu
Chega na maré
Ele vira mar

Como se morrer
Fosse desaguar
Derramar no céu
Se purificar

Ahh deixa pra trás
Sais e minerais, evaporar!

A ponte

É uma ponte que se impõe sobre uma avenida larga de Santiago del Chile. Ou sobre um desses arroios de água escassa e meio suja, não lembro precisamente o que se passava embaixo dela. Voltávamos para o albergue com o suprimento recorrente naqueles dias: pães, alface, frios, refrigerante. Nas extremidades da ponte - que pode muito bem ser um viaduto mesmo, mas um lindo viaduto - sinais de anarquistas junto às escadas. Escadas que subíamos em duas voltas. Lá em cima, sobre a ponte, era sol. Um caminho de sol, de céu chileno sempre azul, da grande montanha ao fundo. Nunca vou esquecer daquela montanha ao fundo. Ela dizia: Santiago; esta é Santiago. Eu parava pra ouvir, era doce. Desde a base da fabulosa cordilheira, fazia um trajeto com a cabeça em direção ao céu. Ali encontrei o espírito da cidade. Pertencia a ela, que cochichava seu nome em meu ouvido. Um sopro de vento fresco dava uma sensação de liberdade. Pode parecer paradoxal, ela me pertencia, e eu era livre. Mas era assim. Aquela montanha não me cercava, o céu tampouco me suprimia. Diziam: tu pertences ao mundo, podes ser altíssima montanha, podes ser infinito céu, podes ser simplesmente o que caminha e sabe. - Prazer. Um compromisso bom: responsabilidade pode muito bem ser isso. Liberdade tem limites de firmamento, fronteiras feitas de montanhas respeitáveis. A responsabilidade por minha vida. Ganhei assim, de graça.

quarta-feira, outubro 17, 2007

terça-feira, outubro 16, 2007

Tocaia

Acha mesmo? Então faz assim
Faz o seguinte:
espera, mas espera calado
Segura a onda que paciência é grande virtude

Não responde, não repreende
Te acomoda bem onde ninguém se importa
Fica ali e observa

Não é fácil esperar calado
Ouvir e não explodir
Eu não sei.

Vai chegar uma hora
Um momento certo
Se esperou o suficiente, ele vem, podes crer.

Quando ele chegar, a paciência vai ser recompensada
Todo o silêncio vai mostrar sentido
Com todo o tempo do mundo, com a vantagem conquistada

Levanta com a maior autoridade
Mostra quem é que manda
E bate com toda força.

quarta-feira, outubro 10, 2007

o vácuo

A coruja me olha, questionadora
meio de lado, assim, pra não pressionar

ocorre que o silêncio de quem espera é menor
que o silêncio de quem quer
mas não sabe o que dizer

quer dizer...
embora pareça o contrário

veja bem: o silêncio de quem espera.
chega quase a não ser.

a coruja ouve meu não dizer
e, esperando minha palavra dita,
diverte-se ou tedia-se
com minha retumbante ânsia
meu tilintante ensaio
e o engolir da minha língua

veja só, que para mim é prisão
e pra ela é porto.

não há silêncio onde não possa haver ao menos um monólogo
quiçá um diálogo
não há conversa entre a fuga e a demência de uma espera

terça-feira, setembro 25, 2007

Trem de nuvens

Um trem de nuvens serve de pano de fundo para a cena. Horácio escolheu a estrada secundária para encurtar seu trajeto e fugir do pedágio, e atingiu seu objetivo, mas ao custo da lentidão de camionetas velhas, buracos e alguma lama. Não tivesse chovido na noite anterior, a lama seria trocada por um bocado de poeira.

Depois de passar pelos ferro-velhos (que devem sobreviver vendendo sucata uns para os outros, tantos que são eles) o verde torna-se mais freqüente, e a agradável luz da manhã acaba por deixar a região bonita, coisa que não é regularmente. O trem branco cruza o seu caminho azul com considerável pressa.

A pista simples e sem acostamento restringe a velocidade da viagem à lentidão do carro a frente. Formam-se comboios encabeçados por grandes caminhões ou carros com dois dígitos de idade. A melhor opção passa a ser olhar ao redor e contentar-se com o que há para ser visto. Ao observar o céu a sua frente, Horácio elabora a frase "um trem de nuvens serve de pano de fundo para a cena" e pensa que é uma boa maneira de começar um texto, um conto, um romance. A imagem de um trem de nuvens também funcionaria em um poema, pondera. Precisa anotar aquilo, não pode deixar passar. Pega então o bloquinho no qual, com pouquíssima disciplina, anota o consumo de combustível de seu carro, no porta-luvas. A operação é delicada, já que precisa manter um olho no caminhão que está na sua frente e outro ao verona apressado colado na sua traseira. Seu motorista parece manter a esperança de que conseguirá, em breve, espaço suficiente para ultrapassar. Horácio, com o bloco na mão esquerda e caneta na direita, mede as distâncias e estuda os comportamentos de seus dois vizinhos de estrada. Passa a tarefa de conduzir o veículo a seu joelho e dá-se conta de que a simples tarefa de escrever uma frase já formulada ganha proporções maiores com o veículo em movimento. Prossegue lentamente, alternando atenções para o papel, para a estrada a sua frente, e para o carro na sua traseira.

Sua atenção tinha muitos destinos e, quando o sinal ficou amarelo, a camioneta à frente do caminhão acelerou e passou com o sinal já vermelho. O caminhão, que tinha hora para entregar a sua carga, também acelerou e foi na esteira da camioneta. Horácio, ao desviar sua atenção do bloco para o caminhão à sua frente, viu que este segui adiante e fez o mesmo. Everaldo, que estava com o seu horário queimado e não via a hora da maldita sinaleira esverdear, acelerou e acertou a lateral do carro de Horácio, que rodou antes de alcançar a pista oposta à de Everaldo onde Soninha não tinha pressa, mas já tinha arrancado seu carro, e acabou por acertar novamente o carro do já fraturado Horácio. Seu Argeu assistiu a tudo de seu verona prudentemente parado para o sinal vermelho.

terça-feira, setembro 11, 2007

Peter Pan

A seguinte resenha, escrita com tinta esferográfica verde, foi encontrada entre livros antigos. Especialistas estimam que tenha sido escrita por volta do ano de 1988:

"Peter Pam" é um livro que acho que todo mundo conhece. Este livro fala de um menino que procura sua sombra e agora se querem saber mais va na livraria e compre "Peter Pam".

segunda-feira, agosto 27, 2007

quinta-feira, agosto 16, 2007

No alvorecer do sedentarismo, subir escadas é contado como exercício físico.

quarta-feira, agosto 15, 2007

Na fragmentação, perde valor o todo.

Ou, no todo fragmentado, a parte perde relevância. A parte é órfã de uma alma total.

Uma moeda de 10 centavos não VALE dez centavos de um real.

Como fazer para partilhar sem perder a dimensão total?

Haverá um mecanismo para dar conta da desvalorização proporcional à repartição?

Quando há quase um demérito em ser parte, a solução parece ser o todo.

Como fazer a VALORIZAÇÃO inversa da parte?

sexta-feira, agosto 10, 2007

Parado no ar

Contradança, concordando com o par que vem
Acordando em sossego
Vem servindo de novo

Vem zunindo, soando e silêncio
Suado de novo,
Soando e suados, caímos os dois
Acabados

Contratempos, tantos e quantos
Como que pedalando contra o vento
O quanto pudesse agüentar
Ainda em silêncio

Mais, mais
Mais e mais
Do mesmo que não canso de provar
E acabei lambuzado

Espera um pouco,
Deixa o vento passar
Vou ficar aqui parado
Em silêncio.

quinta-feira, agosto 02, 2007

IV CANTO (o último e eterno canto do primeiro quadro)

agora só faltam as cores
e arrematar os detalhes
- tarefa não menos distinta

graça
a gente busca de graça
a nossa busca é de graça
dentro e fora do quadro
a gente ri junto

com dois pontos um plano de gráfico:
(eu rascunho sobre o livro de cálculo)
esboço uma curva ascendente
o traço se vai adiante

o trinco da porta cochicha - infinito

III CANTO

um pé no chão
e outro suspenso
quem sabe dançando
a fogo lento

a vida chama
que ascende e queima

a vida derrama
um balde de tinta na gente

e a gente vela e desvela
e a gente tenta pô-la na tela

fazemos arte - a gente parte
e a vida cumprimenta

II CANTO

há luz debaixo da cama
há luz por trás do vermelho
há luz batendo na porta
há dias vind'ouros chegando

e aquelas estrelas que brilham
brilharão em outros céus
pois que há luz sobre as trevas
há luz antes dos sóis

há nós
que não desatam

Primeiro quarto (esboços do primeiro quadro)

[há algo belo, que transfere o grandioso pra quatro cantos de um quarto]

I CANTO

dispenso o compasso

escrevo estrelas no teto

- a noite vive

acorda a mão em vermelho

amanheço a janela à mão livre

um verde perto da porta

- e parte de um travesseiro

meia na ponta da cama

a cama no meio do quarto

o quarto nos quartos de um quadro

e o tempo guardado no fundo

Quantas horas mais vão me bater...



Feita em 2005.
Concreto dura.

quarta-feira, julho 25, 2007

Quadro úmido

passo por ali pra me alimentar
do teu ar
sai por uma fresta
um vapor de banho teu

passo por ali pra me molhar
ficaram gotas pingando
- dá pra ver um xampu
misturo na cabeça
banho-me com espuma de ti

Quanto mais se pensa, menos se escreve...

A beleza não é vencer, mas lutar até o fim. Ir até as últimas conseqüências.

quinta-feira, julho 19, 2007

Andaram juntos feito corpos, lado a lado, sem ser necessária uma única palavra, apenas o contato leve e roubado. Uma, bixo puta, indo porque sim, sem bem afeto, sem bem admiração, só uma coisa familiar, um tesão, um impulso que não tem descrição, mas que é a próxima instrução de um programa por seu corpo seguido. Ele, bixo nada. Animal sem vida que desistiu já faz um tempo, que não se importa e só espera. Bixo nada que encontrou uma coisa que havia perdido. Após perder suas vontades, se deixou levar, foi caindo, descendo e rolando, esperando que um barranco um pouco mais significativo quebrasse seu pescoço de uma vez e acabasse logo com isso. Agora, tinha uma obsessão.
Obsecou pelo gosto provado. Riu novamente, depois de tempos, se bem que de maneira furtiva, até mesmo sem jeito. Envergonhou porque acabou aprendendo que não ria, e achou que sua alegria é sinal de fraqueza. Ao mesmo tempo, ela levantou as calças, como que por acaso, quase que com indiferença. Não riu, da mesma maneira que não gozou. Ou gozou, mas não se importou. Do alto de um tesão mecânico, saiu a passo do beco. Parou debaixo do poste, abriu a bolsa e catou uma pastilha. Seguiu à esquerda e depois rua acima. Na porta, demorou-se com as chaves, abriu, fechou. Subiu três lances de escada, mais uma última porta. Uma vez em casa, despiu-se de alguma fantasia que ainda restava e deitou a cabeça tranqüilamente, conforme era de praxe.

sábado, junho 30, 2007

Nada muda

Nada serve, tudo muda.

Um esforço
após o outro
revela-se em vão.

Em um minuto
o quarto vira em hora,
a hora vira em sono
e o branco permanece
um alvo na tela.

Nem um bumbo reto,
marcial,
se vê capaz
de espantar
esse silêncio.

quinta-feira, junho 28, 2007

terça-feira, junho 19, 2007

Medusa às avessas

não dão sossego
ao tempo
ansiam pelo depois
correm pra vê-lo correr
morrem por vê-lo passar

(gente passatempo
todo mundo quer girar)

a multidão apressada
respira por indícios
num repente, outro início
a gente cega
não deixa sossegar

o amanhã nem amanhece
e aquela gente esquece
marca-se o espaço
atravessado em ponteiros
bengalas em punho e adiante

(bom dia é um dia escapado, veloz)

bebe-se da hora alheia
em cronometrada arena

perde-se no descanso:
a lança fere um ponto
e hora escorre por vão de artéria

soluços frenéticos de um dia passageiro
que engole o relento da noite

e em raras madrugadas
quando ninguém está olhando
o sereno desce ligeiro e deita
umedece a vida, teimando ainda doce
a vida lenta
a vida não admirada

(olhos de gente nunca chegam)

segunda-feira, junho 18, 2007

E as mentiras, no final das contas, são as que mais sabem das verdades.

terça-feira, junho 12, 2007

She's not a girl who misses much

Madalena terminou seu café da manhã e subiu para buscar sua mochila. No banheiro, observou-se demoradamente enquanto escovava seus dentes com uma impaciência típica de seus 16 anos. Sentiu-se cansada e resolveu ser diferente aquele dia.
Antes de continuar, é importante conhecer um pouco mais de Madalena:
No dia anterior, Madalena passara a tarde rodeada por seu séquito. No anterior também. E antes desse, idem. Era bonita, como muitas gurias aos 16. Mas, mais que isto, afinal todo mundo têm 16 uma vez na vida, era confiante. Morena de cabelos lisos, sabia sorrir para conquistar e sorrir para magoar. As colegas davam tudo para serem eleitas, e Madá era tirana. Algumas menos dotadas ganhavam seus momentos de preferência e aproveitavam enquanto podiam. As preferidas desfilavam como artistas. Enquanto se contentavam em ser belas coadjuvantes, Madá tratava-as como iguais. Bastava não tentarem se impor e tudo estava resolvido. Enfim, tinha o mundo a seus pés (ainda que, aos 16 anos de idade, o mundo se resuma, basicamente, pelo seu colégio e alguns poucos grupos destacados de outros colégios da cidade).
Mas Madalena era assim muito por ser linda e por ter a oportunidade. Era esperta e sabia lidar com pessoas. Como por instinto, reconhecia os elementos de um grupo e orquestrava tudo a seu bel prazer. Ao mesmo tempo, ela tinha essa coisa por dentro. De quando em vez, precisava de solidão. Queria ficar sozinha, deprimia-se com isso, mas não podia lutar contra. Fora por causa disto que Sandra caíra.
Sandra era uma espécie de número dois. Eram inseparáveis. Ditavam o que era e o que deixava de ser. Onde ir e o que era engraçado, inteligente ou bobagem. Mas Sandra fez pouco de Madá quando esta, num ataque de melancolia fora de hora, mandou todo mundo embora e quis, desesperadamente, ficar sozinha, às três da tarde! Sandra caiu em desgraça no conceito de Madalena, e, conseqüentemente, do grupo todo. Hoje, Sandra é, condenscendentemente, autorizada a participar das reuniões, das festas, do recreio, como uma figurante "querida".
Pois, esta manhã, Madalena sentiu-se, mais uma vez, cansada de tudo isto. Deixou seu boné da Adidas em cima da cama e colocou o Panamá de seu pai. Olhou-se mais uma vez no espelho, pegou sua mochila e foi para o colégio. Quando estava chegando, alguma coisa houve. Todo o séquito com seus bonés levemente tortos olhou e se sentiu "out". Ainda que todo mundo em volta estivesse com um boné, a partir daquele momento elas não tinham certeza de que era a coisa certa a fazer. Madá sentiu o desequilibrio que tinha criado e sentiu-se desconfortável em saber que uma decisão sua era capaz de criar uma pequena revolução. Só sentiu-se confortável quando seus olhos encontraram os olhos daquela guria de preto, que usava um all-star e estava sozinha com seu mp3. Não sabia bem por que, mas ela entendia.

segunda-feira, junho 11, 2007

Através

A vida não é a liberdade, mas o que se faz com ela.

O relógio vai empilhando números, funcionando taliqual uma esteira de fábrica. Entram segundos, saem horas, em questão de minutos. O tempo não deixa resíduos de si. Talvez porque nem exista o que restar. Não é apreensível - mente o relógio. O homem não penetra no tempo, doutro modo não haveria liberdade alguma. É certo que algumas restrições existem, mas não se dão no tempo; a qualidade da liberdade não se dá, então, pelo tempo, pois não há liberdade onde não possa haver impedimento.

Isto pensado idealmente. Pois não só os relógios estão por aí aos bilhares com seus tiquetaques incessantes, como o mundo gira em períodos demarcáveis, e a vida - humana - acontece em sessenta anos, mais ou menos. O tempo em si não foi inventado pelo homem, esteve aí a pré-história para não nos deixar mentir. Mas a liberdade permitiu inclusive que se compreendesse o tempo sob diversas perspectivas, e a isto se seguem valores e comportamentos vários. O homem racionalizou o tempo, deu-lhe um sentido em sua vida. Talvez por achá-lo razoavelmente incompreensível no absoluto, tratou de reparti-lo. Que faria alguém com a eternidade?

Tomando uma, talvez outra, de suas invenções: o dinheiro. Que faria um homem com uma nota de cem trilhões de dólares? Com quanta liberdade estamos dispostos a lidar? Quem está disposto a aceitá-la?

Nascemos com a memória, e não tivemos de ensiná-la a apreender. O que podemos falar de nossa vida, passa por sua apreensão. E por nossa linguagem. Mas fiquemos com a memória, por enquanto. Ela não distribui o que apreendeu da vida em tópicos, porque não atribui um mesmo valor a todas experiências. Quem sabe aquilo que fez incontáveis vezes seja o mais esquecido, quem sabe por isso mesmo. A quantidade não é primordial para a memória. Se ainda não podemos dizer que o que conta na vida não é quantificável, talvez possamos dizer que quem conta não está preocupado com isso. Tampouco este contador de histórias - ou esta contadora, já que aqui se fala da memória - tem a marcação do tempo na ponta da língua, ou toma-lhe como indissociável dos fatos. Não, isso não lhe parece tão importante. Datas precisas tanto fazem, horas se atropelam, minutos se resumem. O que fica na memória - a vida que não perece, ao menos enquanto sãos vivemos - atravessa os anos, atravessa os lugares, e se pensarmos profundamente, atravessam mesmo as pessoas, até alcançar um ponto fixo de sentimento, que nos acompanha não por outro motivo senão porque também somos aquele ponto.

Se soou óbvio dizer que o que fica é o que atravessa, ou seja, continua, é porque a linguagem tem por natureza a simplicidade, assim como a natureza tem esta por linguagem. Flocos de neve descem a encosta do morro pela gravidade. Unem-se e continuam descendo. Crescem porque vão encontrando mais flocos pelo caminho. Já deixaram de ser o que eram. Mas não deixaram de ser. E sempre terão sido. E assim sempre serão.

segunda-feira, junho 04, 2007

Grovska ( 2 )

Derrubou o telefone no susto. Heitor desapareceu. Bruna chamava André, desde o azulejo frio da cozinha, sabendo nada do que se passava. Ouvia seu nome, cada vez mais alto, como no despertador. Mirava o telefone, era sua namorada chmando da Itália, tanto queria lhe falar. Mas se mantinha inerte. Balbuciou, o medo antecipando-se às sílabas: Gro-vs-ka.

O que lhe acontecera? Parecia um papagaio, seu vocabulário reduzido a uma palavra. Tentou mais uma dúzia de vezes e comprovou. Era Grovska, e nada além disso. Estava perdido, não podia recorrer à Bruna, que a esta altura nem estava mais na linha, tampouco entenderia. Precisava de um amigo, alguém haveria de ter idéia do que se lhe passava, alguém que o ajudasse a recuperar suas palavras. Não podia aquilo: falava, mas não havia conexão com sua vontade. E que diabos era Grovska? Soava como russo, como se estivesse bêbado - sim, como se falasse enquanto garagarejava uma considerável dose de vodka. Tentou acalmar-se. Foi lavar o rosto. Ainda tinha seus pensamentos. Era só uma questão de libertá-los. Escovou os dentes, a escova de Bruna. Olhava-se no espelho, não parecia diferente em qualquer aspecto. Foi ligar o computador, mandaria e-mails para os mais chegados. Desistiu assim que começou a escrever - leriam tarde, certamente, e ainda responderiam com incredulidade. Teve uma idéia, buscou o celular. Mandaria uma mensagem de socorro. Pensou no único amigo que poderia estar acordado àquela hora. Gustavo tinha uma academia de ginástica, levantava cedo. Apressou-se em digitar.

---

O telefone tocou. Atendeu sem pronunciar sua sentença. Gustavo chamou:
- André?
- Grovska... esforçou-se para dizer, apesar da vergonha: era necessário que o amigo ouvisse. Gustavo desatou a rir. Fez elogios ao bom humor de André em pleno meio de semana.

- Mas e aí, o que me conta, rapaz?
- ...
- Hã?
- Grovska.
- Tss. Tá, guri, vi levar adiante agora essa história? Que que é, saudade da Bruna? Tá carente, é?
- ...
- André?
- Gr...ovs...ka.
- Ô André, quer saber, vai tomá banho! Eu tenho mais o que fazer.

É. Ele também não o levaria a sério. Bobagem que fizera, chamar o Gustavo. Tinha de buscar um médico, e teria de ir pessoalmente. Foi vestir-se. Era caso de ir no pronto-socorro. Era isso que faria. Lembrou-se ainda de pegar papel e caneta, de algum jeito expressaria seu martírio e faria entender-se. Não deixou de ajeitar a gravata, a situação solicitava credibilidade. Pegou as chaves e dirigiu-se à porta.

O som das chaves entrechocando-se o despertou.

- Grovska!, disse ao acordar. Achou estranho, tossiu, esqueceu. Heitor olhava-o ao pé da cama, a testa enrugada.

sexta-feira, junho 01, 2007

GROVSKA?
E ainda contam sobre dias e noites
que acolhem aqueles sedentos pelo silêncio
De maneira inversa,
sentem o barulho
bumbar em pranto alheio

Sentem pena dos tempos
orquestrados para ninguém sentir
Só inventam casos,
diversos
passos até cairem em si

Ao final das contas,
sentem a saudade do que um qualquer sentiu em disco
Para que, afinal?
Se podem voltar a mentir,

Incômoda
mas única saída
honrada
conhecida.

quinta-feira, maio 31, 2007

Limites

Infindáveis vezes proclamou de peito aberto sua liberdade. E outras tantas precisou adiar seus planos por pequenos compromissos ou acasos. Desta maneira, Carlos viu seu chão se abrir e seu mundo escorrer pela fenda a seus pés. Seu mundo naquele momento resumia-se basicamente por Maria Teresa, a quem tinha em grande consideração e por quem pensava já ter feito notáveis sacrifícios. Mas, a julgar pelas atitudes (melhor dizendo, pela atitude) da moça, barulho não significa grande coisa para ela.

Maria Teresa não se contentava com palavras, mesmo quanto a grandes gestos ela era retiscente. Ela acreditava muito mais nos pequenos gestos do cotidiano, na vida que se leva quando não se está provando nada para ninguém. E era aí que Carlos falhava, de acordo com os critérios de Maria Teresa. Carlos era dependente. Dependia de sua rotina, dependia dela, Maria Teresa, dependia da aprovação dos pais e dos amigos. Afirmar-se livre era para ele grande feito, mas para ela não tinha valor.
Pois desta vez parecia que era definitiva a perda de Maria por Carlos. Como foram todas as outras, enfim. Mas esta era ainda mais definitiva. Ela esgotara todas as suas paciências (uma das virtudes de Maria Teresa era não ter apenas uma, mas várias paciências). Argumentara e perdera contra uma compulsão. E Maria Teresa queria ser, tinha que ser, a maior compulsão de Carlos. Carlos fumava, mas o fazia só para demonstrar sua independência dos pais (aos 32 anos, convenhamos...). Com isto Maria podia lidar sem grandes esforços.
Maria Teresa não lidava. Não conseguia ser indiferente, não podia. Não conseguira acabar com a mania de Carlos de lavar seu cinzeiro a cada cigarro que fumava. E o cara fumava uma carteira por dia. Não podia ver alguém lavar um cinzeiro 20 vezes por dia e ainda querer explicar que havia lógica por trás disto.

quarta-feira, maio 30, 2007

Prudência, uma palavra (esboço)

Prudência era uma senhora de traços bem marcados. Passara anos longe da vida pública das palavras, quando muito aparecia numa esquecida nota de roda pé. Na fase madura, despontara com vistosas maçãs no rosto. Como era saudável, a senhorita Prudência! E todos vinham à sua janela ouvir suas ponderações. Começava cedinho, mal o galo cantava, faziam fila em frente à casa de Prudência. Eram tempos em que havia algum. Deixavam um agrado, a maioria, mesmo que Prudência não solicitasse. Houve quem fizesse igreja, Igreja da Santa Prudência, que tomou bairros distantes. Facilitava, encurtava caminho, as pessoas conversavam com uma imagem de Prudência e seu olhar interrogativo. A Prudência era amiga das interrogações, respondia com perguntas, sempre. Era bom ouvir suas perguntas, fazia parecer que o tempo nem era urgente. Até o dia em que encontraram Dona Urgência estirada na avenida, atropelada por um corretor de ações. O som das sirenes comprou buzinas e despertadores, até apropriar-se definitivamente dos já desgastados canto do passarinho e correr do riacho. Prudência já não escutava o sino de sua igreja (ainda havia uma, próxima de sua quitinete). Comprou um MP3 player pra melhor ponderar. Investiu em um bom par de fones, não os tirava nem para dormir, e isso era prudente, pois a noite deixara de existir havia um bocado de anos.
A Prudência pensava no sentido da vida, de sua vida. Onde se encaixava sua existência? Ela esmorecia, mas isto não significava que se tornava imprudente. Há palavras de honra. Prudência tateava o ar de uma dimensão que se desinventava.

segunda-feira, maio 28, 2007

O Infante

Tô suspeitando desse cara de zero
que me dá zero motivos
- é um impassível
Diz-me nada e essa pinta absoluta
Passa-lhe o infinito aos olhos
e... resoluto! Impossível!

Ah, se eu soubesse zerar por um instante!
Eu lhe diria como a vida é expressiva
que seu silêncio só quer dizer
e mais não pode
que o poder é ser uno e ter
o infinito em si
mas a verdade é que não entendo
esse cara de zero
mas tô tentando, tô tendendo

meio-par

se par
por que se parte
já no começo

por que separam
param passados
por que se esquecem

partida
por que se parte
por toda a vida

por que não porto
por todo o sempre
por toda parte

por que partir
não é chegada
a cada instante

pela metade
por que o tempo
passa por dois

por que se lembra
parece perto
de não passar

pelos que passam
por que não sei
por que passeiam

perece um gesto
de todo o resto
só resta meio

quarta-feira, maio 23, 2007

Choro

manhã em Porto Alegre
choram os guarda-chuvas

é um choro vertido
como os versos dos desencontrados

há uma falta, uma ausência líquida
a saudade escorre pelas ruas

ninguém se vê
o dia penetra bueiros e vai ter com os ratos

sexta-feira, maio 18, 2007

Força Centrífuga

Fixamente a moça olha para o ponto no centro
Levemente excêntrico
Leva a mente à tensão

Fixação irremediável no centro do disco
Lentamente, arranhado
Lenta sente, do lado de dentro

Passo a passo, posta de lado
Fixa a mente numa besteira qualquer
Não toma mais coragem num só fôlego
Toma um susto indolor

Arrepio qualquer esperando no ponto
O centro vazio deixando o vento soprar
E o escuro, o escuro se fecha
Levemente a rodar.

quarta-feira, maio 16, 2007

Morro Dois Irmãos

Dois Irmãos, quando vai alta a madrugada
E a teus pés vão-se encostar os instrumentos
Aprendi a respeitar tua prumada
E desconfiar do teu silêncio
Penso ouvir a pulsação atravessada
Do que foi e o que será noutra existência
E assim como se a rocha dilatada
Fosse uma concentração de tempos
E assim como se o ritmo do nada
Fosse, sim, todos os ritmos por dentro
Ou, então, como uma música parada
Sobre uma montanha em movimento

Chico Buarque

terça-feira, maio 08, 2007

terça-feira, maio 01, 2007

Trago largo

Ponho de lado a razão que,
em alto e bom som,
me fizeste esquecer.

Sigo pontos,
pontos de fuga assinalados
que atingem em cheio dois olhos.

Raros momentos,
uma dupla
acompanhando atenta toda a ação,
esperando algo acontecer.

Em um trago largo,
num único gole sorvo toda,
e o que sobra é um gosto amargo
que não me deixa dormir.


Escolho não responder,
crescer está fora de meus planos.
Sentada a minha frente pergunta calada e dou risada.

Passo a frente e receio que o passado me condene.
Um velho perguntou e deixei no ar,
por pouco não me perco.

Num instante de desleixo
põe-se tudo por água abaixo.
O amargo não vai embora
e não encontro razão para acordar.

quinta-feira, abril 26, 2007

Aniquila

repetição repetição
atenção vamos repetir
repetição repetição
acostume esquecer

repetição repetição
calma só um pouco mais
repetição repetição
até o silêncio estilhaça

repetição repetição
sintetiza o tempo
repetição repetição
corrói o espaço

pra quem não caiu
repete

quarta-feira, abril 25, 2007

segunda-feira, abril 23, 2007

Caixa de fotografias

Encontro vago, encontro cego
um pouco de mudança e
um tanto assustado.
Mesma como se fosse ontem.

Dias assim, acompanho calado,
mudo de pavor,
modo de espera,
Ponho de lado, sem discussão.

Ponho à prova tua imagem,
rabiscando baixinho, traço sereno.
Risco rasgado,
Grafite guinchando em papel.

Encontra mesma mudança
Num vago susto desperta
Fitas a postos e todos olham
Meu papelão em widescreen.

Fotos de ontem e de outros dias
Não mostram o mesmo
Mudam comigo
Revelam quem me tornei.

D'EMO: exorcize-se

meu melhor amigo,
finalmente tomei coragem, ah
mandei a minha demo
por e-mail, para a rádio
e um txt anexado
com as cifras do meu sofrimento
disseram que eu tenho uma queda por lágrimas
e que isso de lamento é ok, que tá saindo bem

você sabe como eu sou, choro por nada
tudo é emotivo
e me dê motivos então, ah
me dê motivos, então ah

encharquei uma guitarra nova com água e sal
é de dar dó
pra parecer retrô, acho que pegou
vou ser all star e dizer que nem tô
vou chorar pra sempre, reclamar do que restou
pra mim é o fim

sabe, acho que esse negócio de nostalgia com derrota contagia
dá pena, cara, dá muita pena
e no ócio dá vontade de chorar
(eu não tenho o que fazer)
não demora outra demo minha sai, espera só
que eu tô só, esperando a outra faixa:
é esperar e a demo baixa
tipo um download, mp3, saca?

sábado, abril 21, 2007




Sim, é um jogo. E a incapacidade de conhecer ao mesmo tempo todos os jogadores e seus movimentos, todos os cenários e suas probabilidades é que o tornam tão interessante. A pergunta que cabe a partir daqui é, quem realmente é jogador e quem é peça do jogo.

sexta-feira, abril 20, 2007

Apito inicial

É um jogo - exatamente um jogo. Muito complexo, é verdade. A questão se dá no acesso às regras, no modus operandi. Uma rede inapreensível de interferências, onde cada ser tem seu próprio ponto de vista, individual apenas como manifestação, posto que é influenciado pela infinidade de elementos copartícipes do jogo. É importante observar que a mencionada "individualidade apenas como manifestação" está associada precisamente aos pontos de vista. Um ser não é seu ponto de vista, nem age ou reage unicamente sob seus ditames - é, então, um referencial, constantemente se movimentando com o decurso da experiência. O referencial funciona como um ponto de partida, mas não é ele que gera o movimento do ser. Há o que Schopenhauer chamou vontade de ser. Esta vontade está associada ao mundo exterior, e, dessa maneira, pode entrar no jogo com atribuições de jogadora, já que tem acesso tanto aos dados da realidade como às potencialidades percebidas pela consciência. Ocorre que há uma relação de interdependência entre vontade e objetos exteriores, pois que são consumidos um na determinação do outro. Esta interação impõe limites, pois o sentido da vontade está sempre contaminado pelo mundo exterior, configurando-se assim dentro de suas dimensões.

O homem parece sofrer exatamente por desconhecer as regras que, talvez suponha, o libertariam. Ele quer querer. Da presunção de sua incapacidade para isso é que surge o medo e outras formas de não-ser. A realidade, então, está impregnada da negação de seres, e, mais, da afirmação e do acolhimento desta negação. A prática passa a dar-se pelo inverso. E, estranhamente, sentimos como que uma saudade de algo que não vivemos; e, estranhamente, temos esperança quando tudo, aparentemente, tende ao caos.

sexta-feira, abril 13, 2007

Precisava de umas boas e longas férias.

quarta-feira, abril 11, 2007

Às vezes ia ao McDonalds só para comer o capitalismo.

segunda-feira, abril 09, 2007

Diluído

A existência é anterior à representação da existência, claro. Tal evidência dá pistas para uma verdade menos óbvia, que diz respeito à substancialidade das coisas: nenhum signo encerra um significado em sua totalidade. É sempre como uma fotografia que, por mais ampla, nunca capta o todo. De modos diversos, o mesmo ocorre com todas as formas de compreensão e de reprodução da realidade (como é o caso da linguagem) - se bem que a própria compreensão já possa ser entendida como uma reprodução, já que ela também se dá por meio de uma linguagem, talvez a que temos menos acesso, mas ainda assim uma linguagem, pois que o cérebro não faz senão representar. Ocorre que estamos acostumados a tomar conhecimento da existência representada, tendo em vista que, se nossos sentidos nos prestam essa possibilidade, nos restrigem a outra, que seria ter acesso à existência in natura. Parece mesmo que a aproximação a esta existência pura não se dá pela via dos sentidos, pois nunca se encontram certezas de que as verdades estão, de fato, acercando-se da Verdade, ou seja, isto nunca é sabido, é, no melhor dos casos, intuído, configurando-se, assim, mais como um sentimento. O modo racional de representação do infinito é convencionado, e não poderia ser de outra maneira: o infinito não cabe em saber, só pode ser intuído, por isso é taxado por símbolos quando referido, como acontece com a própria palavra infinito. Sozinha, a palavra diz nada (aliás, nada ao infinito), de maneira que só temos uma idéia do que ela pode representar através de sua associação com outras palavras.

[Por enquanto, este pensamento de segunda pára aqui. Já posso ler inconsistência na minha premissa ("Tal evidência dá pistas..."), mas posso ter acertado em alguma coisa (tendo, quem sabe, atirado para muitos lados). O fato é que a idéia de limite tendendo a zero, com que tomo contato agora em Cálculo I, foi que me (ins)pirou. Espero esclarecer alguns pontos que para mim são relevantes disso tudo, o mais breve. E ir adiante.]

segunda-feira, abril 02, 2007


Nunca outra vez

Maurício esticou o braço e abriu a porta do carona. Não foram trocadas palavras, e, a bem dizer, nem olhares se cruzaram. Bastou-lhe a mini-saia. À Anabela, bastaram as rodas imponentes da camionete de Maurício. Imperava o silêncio na noite, bem abaixo das estrelas. O automóvel fez um ruído raso e dobrou na outra esquina. Imóvel, misturado a alguns sacos de lixo no outro lado da rua, dois olhos sobressaltaram-se ao acompanhar a cena. A força derradeira não serviu nem pra levantar. Anabela tinha pernas de vender. Ele era o resto, era o rastro de borracha no asfalto. Ele ficava, Anabela ia. Não sabia aonde.

sábado, março 31, 2007

Quem sabe, amanhã

Mais do que isso, queria possuir um corpo como um animal. E lembrava dela assim mesmo, com vontade, como uma oportunidade para liberar sua mais estranha energia, que mandava nele de maneira incompreensível. Ela era três, uma a cada momento. Agora era fêmea, e tinha se escondido. Ele precisava achá-la, era a única que correspondia a suas investidas. Ela já esteve em instituições psiquiátricas e de vez em quando, nas vezes em que a fome aperta, recorre aos albergues. Esses lugares são difíceis para homens. Tem que estar sempre de olho aberto. Um invejoso, um ladrão, qualquer coisa. Por nada se dá o acontecido. Para mulher não. O pessoal se passa, mas Anabela não se importa, gosta e ganha mimos dos companheiros de noite, como se estivesse fazendo algum favor para eles.

Depois que a encontrava, e se conseguia resolver-se, ela virava um fardo. Ela mudava, e ele queria distância, que se escafedesse de uma vez. Ficava rude com a moça, coitada. Fazia pouco caso, xingava e mandava para longe. Às vezes ela ia, resmungando palavrões desconexos e alternando gritos que escandalizavam quem estivesse ao seu alcance. Cada um ia feder pro seu lado. Anabela desaparecia por dias e com o passar do tempo, quando as vontades voltavam, ele se arrependia. Na verdade, arrepender não é o termo exato. Não tinha noção do mal que tinha feito, não assimilava a culpa. Passado um bom par de dias, suas ações passadas se confundiam, e não discernia se ontem era o dia em que conseguira cachaça ou se fora sua prova de cálculo. Mas penava pela sua falta, de qualquer maneira.

Mas outras vezes Anabela não tomava o rumo. Agüentava as carraspanas e os maltratos no osso do peito, e permanecia por volta. Ela era um cachorrinho que, não sabe bem por que, mas deve obediência a seu dono. Mesmo sob fogo cerrado, permanece fiel, e prefere não se afastar. Nestas ocasiões, ele esquecia do sentimento de asco que o dominava, e, antes da vontade animal voltar a reinar, uma outra forma de relação toma lugar. Uma cumplicidade toma conta. Eles se entendem, admiram o céu ou o parque, aceitam e aprovam a companhia. Quase sem palavras, vivem por breves momentos, uma vida em comum.

quinta-feira, março 29, 2007

À luz do poder

Se aquele homem tinha seu caminho desenhado pelas árvores, não viemos nós todos também sendo mais direcionados do que diretores? Nos enquadramos em tantas fronteiras das quais não temos ciência, que soa quase utópico falar em verdadeira liberdade, quem dirá a generalizada.

Se, por um lado, a liberdade não é concedida por quaisquer tipos de ditaduras, por outro, ela tampouco parece estar dada, de maneira natural. Sendo pragmático, a liberdade parece não ter lugar nesse mundo, ainda que a pregação e a instituição do individualismo suponham o contrário. O poder não deixa sombras.

quarta-feira, março 28, 2007

A ditadura acaba onde começa a verdadeira liberdade do homem.

Nunca a manhã

Cruzou o grande parque com trajetos sonambulantes, as árvores desenhando seu caminho. Tinha nelas os únicos sinais de uma vida concreta, que desapareciam a cada curva.

Aquela manhã luzia entrecortada por algumas folhas caducas mais teimosas, e as sombras que projetavam não durariam outro amanhecer. O vazio explorava o espaço com seu facão aniquilador, abrindo tudo ao que o frio fazia nada, cada vez mais penetrante. O homem teimava em ficar de pé, sendo pedra fraca. Demorava-se na vez das árvores, como um cão, na ânsia de encontrar Anabela. O sol lhe concedia um sorriso inexpressivo, que nem chegava a ser amarelo. O mundo desfizera-se de som e, monocromático, era só um destempo que parecia divertir-se com a lenta decadência do homem. Era um passar que não passava, um presente duro, sem fim, tal qual uma fotografia triste que fedia como se fosse muito muito velha.

Mas, tão jovem quanto Anabela, sua morte havia começado nas frestas que seu orgulho fizera em seu viver. O derradeiro impulso, que o submetia ao jogo impiedoso da sobrevida, vinha não sabia donde, literalmente: não sabia. Era só ser, livre e decadente. Quisesse - pudesse querer - trocaria seu inútil livre arbítrio por um corpo de animal.

terça-feira, março 27, 2007

Alegre Manhã no Porto

Sorte e pontes, o cinza volta às ruas da cidade. Os trapos cobrem, mortos vivos, todos misturados, piolhos e pulgas, toda uma sociedade alimentando-se do asco, da umidade e de epitélios mortos. Abaixo deles, um corpo dá vida e energia a esta cultura que teima em enfrentar o frio que castiga já fazem dias, que chegou com vontade este ano e que não dá sinais de apatia. Os trapos, que ele chama de cobertor, não são suficientes para tornar a temperatura confortável. E mesmo que fossem, seu cheiro elimina qualquer possibilidade de aplicação da palavra conforto.
O desapego completo não veio da nobreza de espirito, veio antes da necessidade e orgulho. O costume anestesia. Já não importa atravancar a passagem, que desviem o olhar, que sua presença seja uma bolha de mau cheiro obstruindo a calçada. Foi-se o tempo que vivia da pena. Pedia, explicava, convencia a caridade com um olhar de fome, de desamparo. Agora espera o resto, as sobras de todos que não desistiram. Moedas não lhe são mais úteis, desde que não é mais permitida sua presença em um bar, um restaurante, uma venda. Antes de ser capaz de mostrar algum dinheiro, é convidado a se retirar, na melhor das hipóteses. Enxotado, com mais freqüência.

Apostou, há um bom tempo atrás, apostou alto. É o problema de mirar na cabeça, o prêmio é grande, mas não pode errar. Mirou e foi, mas não conseguiu. Quando olhou para trás, não tinha mais caminho de volta. Cabeça dura, não confessou o erro, não pediu penico. Cada passo à frente distancia mais a encruzilhada, agora resta esperar.

Loucura e sorte, sua história não poderia ser por ele contada. O tempo solitário, a febre, infecções e paranóias destruiram sua consciência. Duvido ser capaz de manter um diálogo inteligível. Mais certo soltar idéias sem nexo, flashes e ilusões, balbucios.

E assim acordou hoje, um pouco mais tarde do que o normal, porque o sol não veio fustigar seu rosto. Sorriu e sentiu o estômago. Precisava comer, sabia onde encontrar algum com o que enganar. A parte mais complicada é a madrugada. A vigília e o medo misturados com a febre que não deixa repousar. Não tinha nada que interessasse a alguém para ser tirado, mas ainda tinha seu corpo para doer. E sádicos existem. A surra que tomou certa vez não o deixa dormir, o mantém alerta. Repousava tranqüilo, ainda não conhecia as maldades escondidas na noite. Mal teve tempo de acordar e se proteger, chutaram-no sem piedade. Foram apenas alguns segundos, correram e ele ficou sangrando ali no chão. Nos dias seguintes a dor continuava a lembrar, e foi difícil dormir. Os outros dormem em bandos, melhor para se proteger. Mas não é um deles, nunca obteve permissão.

Com um mamão passado servindo de refeição, volta a seu mundo. Enrola-se em seu cobertor, seu reino, e lembra-se de Anabela, fazem dois dias que não aparece (não sabe disto com certeza, confunde-se freqüentemente). Quem sabe hoje tem a sorte de receber sua visita.

quarta-feira, março 21, 2007

Ao Pedro

Comprimidos não são resposta, mas há vezes que são solução.

segunda-feira, março 19, 2007

Arte


Teve um Pedro (versão comprimida para concurso)

O rodomoço desejou boa viagem. Verdade que o ônibus estava quase vazio: vindo do Rio, chegara em Porto Alegre com exatos 3 passageiros. Estes uniram-se a nós, 3 amigos, mochileiros de 1ª viagem, e rumamos ao Chile, país mais comprido do mundo. Não era menor a ansiedade: muito chão a percorrer entre a terra de Drummond e a pátria de Neruda. Mas haveria um Pedro no meio do caminho. Chamava-se Pedro o rodomoço. E passou a ser nosso guia.A Argentina nos deu as boas-vindas com infinitos girassóis, mas Pedro, chileno que era, não falaria de flores neste terreno. Chilenos têm rixa com argentinos, de guerras distantes. Sobraram piadas nesse trajeto. Só cessariam frente à imponência dos Andes – era mesmo de silenciar. Sentia-se a solidão dos primeiros exploradores. Na fronteira, paramos. Sem pensar, corremos à água que descia ao pé da montanha. Pedro impediu que a guarda chilena soltasse cachorros contra nós – era proibido. Desculpamo-nos com o fôlego que nos restara. Viria dos céus a resposta de Pedro, e, enquanto a neve caía, tivemos certeza de que o que vissem nossos olhos sobre o Chile, teria o olhar de Pedro, um eterno explorador. Poetizara Neruda, “o mundo era do ar que esperava”.

[Se não gostaste, vá em www.ci.com.br, em "Concurso Viajante CI", e vota neste texto, a fim de que eu ganhe de aniversário uma viagem de um mês pela Europa. Se gostaste, vota mais de uma vez. Os caras sempre conseguem deixar o processo burocrático, mas tu terás paciência, afinal, a Europa é logo ali, e a causa é nobre. Terás apenas que acessar teu imeio uma vez, o que é bem razoável visto a quantidade que tens feito isso diariamente. Muchas gracias, e conto contigo nesta saga. E é contigo mesmo, ainda que penses que, ah, certamente, ele deve estar falando com outra pessoa. ;P]

terça-feira, março 13, 2007

Obrigado

Fiquei muito ocupado e pensei,
tenho que dar prioridade às coisas sérias.

Pensamento seguinte:
quais são as coisas sérias?
As mais importantes?
as de gente grande?

Acho que minha divisão foi de acordo com a cobrança.
Minha,
de fora,
das expectativas,
não importa.

Sei de tudo isto,
e de que adianta?
Adianto sempre
Obrigações.

Piana

em branco e preto
piana a eternidade
sonora a mesma vida
na percussão de um dó
é sempre um sol
sem ida nem vinda

é de se amar
a tristeza do piano!
- órfã de nostalgia
ah, que lindo balbucia!
se os dedos malpousam

tudo é pleno, ao piano
ouçam,
é o amor sem plano nem reta
piana, letra não lida
porque a vida é analfabeta

pode bem versar lento
que vem avesso ao lamento, o piano,
ao arrepender
que só repete o fá que acertou
que não dá ré de mi que entortou
que redimir é letra lida
e a vida não tem sentido
senão cantada, senão sentida

chama,
é a vida
dá o tom, ama
- piana

quinta-feira, março 08, 2007

segredos

"Tudo que a mente do homem pode conceber, ela pode alcançar."
A frase, de W. Clement Stone, veio à minha cabeça, antes de conhecer sua procedência origianal, enquanto lia O discurso do método, de Descartes. Vim a conhecê-la no interessante documentário O Segredo.

terça-feira, março 06, 2007

Parque O'Higgins

rodavam crianças e jovens sobre patins
e as voltas que faziam
rodar também me fizeram

passos jogados pra trás:
retrocedo
outra vez te desconheço

então deslizas...
tua presença é nova
numa distante tarde chilena

Aí fudeu

Andou,
andou pensou
e parou.

Olhou para trás,
desconfiou
e andou.

Olhou de novo,
não parou
e medrou.

Sentiu
e não andou,
correu.

Correu sem olhar,
mas não deu,
no final das contas,
perdeu.

sexta-feira, março 02, 2007

A corrupção do sereno

e tendo a vez da palavra caído
de um dedo em riste direto no meu colo
disse:
escolham bem o seu vício

e todos calaram seus cochichos e abriram bem os olhos
a noite fez do silêncio meu eco, separou tanto quanto pôde minhas sílabas
bandeira nenhuma se ergüeu; entreolhares no palanque

mas a densidade deste segundo não expandiu seu comprimento
e no seguinte instante um bêbado discursou comicamente:
a multidão nem viu a poeira fina que pisava

e a noite desistiu daquela noite, o que é sempre muito muito triste

Uma verdade inconveniente

A Terra aquecerá e nós perderemos todos os cabelos.

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Café frio

Incômodo
sentido neste azedo
Se não fosse já tão tarde
resetava

Muito incômodo, tudo asco
Tomo um gole de café
como dose de coragem (sem efeito)

Incomodo
Repetindo a mesma nota
Destilando meus boqueios


Nem meus modos
Sem razão
um rosto
Sem tesão

O cheiro do café seco na xícara
é resquício,
insuportável,
lembrando tua ausência.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

oceana

não
descartes
o matemático
método prático
catálogo de pensamentos
rascunhado e passado a limpo

logo existirás
é uma questão de ser
ou não
e quem sabe até questão
de tempo

recolhe as gotas tuas
separa
e oceana teus continentes

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Sono

Sentado, o morto abaixa o cano
sente nojo da bagunça
sente sono e chora

O barulho ecoou pelo fosso de luz e saiu telhado afora, espalhando-se por toda a cidade

Sem palavras, permanece calado
Cresce lenta, de mansinho
saudade dos que viveram

Um vento gelado irradia, desfazendo por um instante o calor da cidade deserta

Sentado, o morto ouve a porta,
o cansaço não permite atender
Ouve o pulso martelando compassado
lembrando como é triste o carnaval

Lá no lago, o sol descerá muito calmo horizonte adentro, tingindo as águas de vermelho

Num repente, sentiu muito e arrependeu
tentou, mas não pôde voltar atrás
Tivesse o tambor outra bala
de vergonha se matava, outra vez.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Tremeluzente

melodia e meia
lua nova lá
se vão com o tempo as horas

demoras passam despercebidas
notas desaparecidas no meio-tom

perder-se, ah, perder-se
diluir o corpo em musicais do porto
dá vontade até de sair jamais

parar na beira o passo
e ter de compasso um horizonte
e a cor de um violino cantar
um SOL

Fronteiras abertas

http://www.fronteirasdopensamento.com.br/

Rascunho

Solto só
Só à procura de ser
Certamente sentir
Sem ter mais por sofrer

Protegendo de amar
Amargura por vir
Virando outro cego
Segurando para não cair

Postergando desculpa
Padecendo, menti
Te encarando, opróbrio
Brio por ti, perdi

Acordei a tempo de dizer que te amo

Depois dum Carnaval

Em metade vos digo, assombro um bar na cidade baixa. Enquanto espio, solito, o vai e vem dos passantes, dou de quando em quando um gole miúdo na minha cerveja, regulando para que, ao mesmo tempo, dure tempo suficiente e não esquente. Suficiente porque não quero ir para casa, e porque não posso pedir mais uma. Restrição auto-imposta esta. Penso que não posso exagerar todas as noites, e todas as noites, salvo algum compromisso, cada vez mais raros estes compromissos, estou aqui, na mesma cadeira, olhando o movimento. Ficar em casa é suicídio, no sentido literal da palavra. Bater cabeça, como se diz. Quando muito bate, a cabeça racha.

Fregueses vão, alguns ficam. Outros chegam e passam. A minha mesa é sempre minha, ninguém toca. Sempre a mesma, canto de lá da porta, bom para observar. Chego cedo e vejo tudo, sei quem vem seguido, quem é novo, quem leva a namorada para casa e volta para caçar, quem liga pro namorado e diz que está com a amiga. A noite desenvolve-se à minha volta e eu funciono como um sol, observando a movimentação previsível. Dois pontos. Primeiro, sou um sol por estar no centro, não por brilhar. Muito pelo contrário, me torno opaco em meio àquela agitação. De início, ainda existo para um ou outro marinheiro de primeira viagem. Logo, como não me movo, não falo e muitos duvidem que escute, acabo um móvel ao qual não se dá pelota. Segundo, o centro fica por minha conta, fruto do meu exclusivo ponto de vista, completamente individualista, de que tudo o que existe tem a mim por ponto zero. Mais uma semelhança, assim como o astro, chega a hora em que me recolho.
Começo de semana eu sou dos últimos a deixar o recinto. Vai se aproximando o fim da semana, o povo resolve ficar mais além, eu tenho minha rotina. De qualquer maneira, termino minha garrafa e dou adeus. Isto é forma de dizer pois não me despeço de ninguém. Quando em vez tento alguma piada que o garçom retribui com um sorriso amarelo de quem precisa garantir sua clientela. Volto a pé, moro perto. O apartamento pequeno é de frente, há quem procure exatamente um destes. Eu não gosto. Escuto as pessoas transitando e me lembro que não tenho mais vida. Já chorei, confesso. Sábado é o dia mais foda. Deitar sozinho, dormir sozinho, saber que semana que vem será igual, e que na próxima e na seguinte e sucessivamente. Virei nisso. É o que uma mulher é capaz de fazer com alguém.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Sagarana

A cacunda do bobo é o poleiro do esperto.
João Guimarães Rosa

Barulho de tintas

Faço-me ouvir
Em silêncio por nós dois
Imagem que soa no papel
Da tinta que escorre, um troféu

Grito baixinho
Um surdo, um ouvido
Olvidas de mim

Incorre de novo
Cala, receio
Repete teu erro

Grafito em mágoa
Um tinto de lágrima
Borrando na tela
Eu pinto um GRITO

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Céu de planetas

uma mão pôs-se sobre a tela
e tê-la pareceu escapar
eram riscos fugidios
palavras caladas

não sabia mais pintá-la
não sabia a perfeição
ajudou ter riscado horizonte
um lugar pras coisas que não sei
o lado de lá é feito de sóis
e eu só vejo sua luz nos planetas do meu céu
a rotação é lenta
e às vezes me acostumo
à consistência dos sonhos
ao meu dia escuro

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Tom Menor

Acorde da tristeza
Janela em canto e tudo pára
Tudo isso para, num segundo instante
Um primeiro olhar sorrir

Por encanto, ao que me consta
Enquanto passa o café
Posa em corpo, prá meu verso
Luz fria da manhã

Pose musa e pára tudo
Muda um pouco, quadro a quadro
Abro os olhos, me deparo
Um gatilho prum sorriso

Encanto em tom menor
Entrando janela adentro
Num domingo, muito cedo
Tudo muito, muito belo.

Fica, se não muito, um pouco mais
Só o tempo necessário
Preciso guardar

Acordo de um sonho
Mão tateia, procurando
Me conforta, te encontrar.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Adapto a falta de nexo, mas sobram motivos para notar um algo errado. Uma parede que muda de cor, pessoas mortas dançando tango, silêncio num bar, diversos motivos para questionar uma noção amplamente difundida. Sem meios termos, o que mais parece é que estou numa fábula pronta para desmoronar.

Aceito o desafio e sigo adiante, tomando cuidado para desviar de um padre caído no chão. O pobre enlameado contorce-se por uma dor muito forte. O motivo desconheço, se surra ou veneno, se um pecado recém confessado e impassível de perdão. O bafo que desprende e torna densa a caminhada parece até ser dotado de vida. Um bafo verde, úmido e morno, que parece indicar que aquele lugar não é indicado aos passeios. A jornada se desenrola por um caminho de terra, com barro e sons desencontrados. Estranha acústica deste lugar onde tudo soa mais de uma vez, às vezes de um modo surdo, noutras como numa lata de lixo. A jovem marmota, cujos óculos buscam disfarçar seus traços de pouca esperteza conversa com a velha coruja, de voz calma, grave e macia:

- Quem será que vem lá? Certamente não é muito esperto, pois veste meias sem sapatos. Nesta lama que anda por aí, não convém tal atitude.
- Correta sua observação inexperiente amiga. Mas não julgue tão prontamente, pois as meias podem proteger do contato direto com o chão. Sabe-se lá o que este estranho viajante sente ou pressente.
- Pode até ser que não seja possível julgar sua inteligência a primeira vista, mas sua aparência sim, e afirmo que a natureza não foi muito generosa para com ele.

Chego aos dois pequenos animais tagarelas, que me olham com olhares diversos. A marmota me mira por cima de seus óculos, com ar de superioridade. A coruja prefere um olhar de enfado. O mais estranho de todos sou eu, que não atribuo grande importância a dois animais que conversam. Pergunto que horas são:

- Depende para que - responde a coruja.
- Como assim? O horário independe de razão. Depende tão somente do posicionamento solar - respondo eu, sem muita certeza do que digo.
- Isso foi antes. Antes de trocarem o sol.

Dou-me conta de que no lugar do sol há um grande holofote vermelho, formato do logotipo da coca cola. Um patrocínio desfazendo toda uma noção da passagem de tempo. Paciência.

- Preciso seguir, mas não sei para onde. Sabem aonde chegarei por este caminho?
- Qual a diferença se este é o único caminho que existe? - responde a marmota - Se seguir é uma necessidade, a pergunta é praticamente inútil.
- Já que não vejo boa vontade nas respostas de vocês, sigo meu caminho. Não vejo razão para ficar perdendo tempo com essa conversa despropositada.

Sigo com a cabeça baixa, pensando no que acaba de acontecer. Não me importei com o tom claramente hostil da pequena marmota, mas a indiferença da coruja realmente me deixou incomodado. Neste momento, dou-me por conta que meu pé livrou um pouco da lama do caminho, e o que ele mostra é colorido. Limpo um pouco mais e o que é revelado é um padrão flower power. Penso que isto pode estar relacionado com a coruja e a marmota, mas nenhuma das duas me pareceu hippie ou coisa parecida. Esta coisa de flores, cores e paz e amor é coisa do passado. Passado parece ter o tempo, já que me dou por conta que minhas mãos estão enrugadas e um pouco pálidas. As dores no corpo me dão mais pistas, na falta de um espelho. Estou velho, sem dúvidas.

Adapto a falta de sexo, conseqüências da idade já avançada. Caminhar é preciso, mas me faltam ânimo e forças. Já não lembro mais por que caminho e nem ao menos sei se algum dia já lembrei. Mas logo avisto uma multidão. Vou ter com eles, saber o que acontece por aqui. A multidão se agrupa em círculo. No centro, dois homens muito magros e esfarrapados lutam com todas as suas forças. Informo-me sobre o acontecimento:

- Oferecemos um prato de comida aos dois pobres coitados. Mas os dois têm que brigar por ele. O barbudo é bom de soco - diz um rapaz, sem tirar os olhos do espetáculo.
- Eles não poderiam dividir? - Pergunto.
- Mas qual seria a graça então? Idéia estúpida esta sua.

A cena é deplorável. Os pobres diabos estão desesperados e tiram forças que nem supunham ainda ter. O de barba castiga o descamisado, mas este consegue agarrar uma pedra e golpear a cabeça do primeiro. O povo urra com o sangue. O barbudo não se dá por derrotado e consegue voltar a socar o pobre sem camisa. Espanca-o até seu corpo parar de mover-se. Recebe seu prêmio com a mesma gana que utilizou contra seu adversário, agachando-se sobre o prato e utilizando as mãos com destreza para devorar seu alimento. A multidão extasiada afastasse, deixando o corpo sem vida a mostra. O rosto está inchado pelas pancadas, mas inconfundível. É o meu alguns anos atrás.
Calma lá, que de onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Ainda nas férias, objetivo ler alguns mais prometidos que visita de cumpadre. Depois, iniciar nas leituras econômicas - nada a ver com o tamanho, mas sempre entremeando alguma filosofia, pra não me perder. Tem o Mãos de Cavalo do Daniel Galera pra continuar, A Ocasião do Saer pra acabar e mais uma porção desses que deixei pela metade. Não quero mais deixar pela metade, salvo os que não me agradarem - persistirei. O Grande Sertão do Rosa me implora a leitura há tempos, não posso mais negar. Tenho que ser rápido, a matemática se aproxima.

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Primeiro

Este blog completou, neste mês, um ano de existência. Pela liberdade com que foi se construindo, quase que diariamente, fez-se tal qual um mosaico, de verso e avessos. Possivelmente o grande lema que me tem acompanhado, como um pano de fundo para os posts, é ditado por aquela única certeza de Sócrates. Pois, só não sabendo eu posso buscar alguma verdade - ou mesmo inventá-la. É assim que tenho, falo de minha parte, erguido esse blog, sobre os sólidos pilares da dúvida, que, antes de constuir, desconstrói - e conhece. Ou, pelo menos, tenta. Dos modos diversos com que se podem buscar as respostas, emerge este caleidoscópio, girando junto com o mundo, talvez em sentido contrário - mas junto - fruto direto das luzes que deitam sobre si. Cada fragmento deste blog não sou eu ou um pedaço de mim, mas a minha vontade de ser sendo outra vez aurora, mas nunca a mesma. Certamente sobram restos, e pedaços inteiros de inutilidades. Por isso é saudável dividir o espaço com um amigo e, numa dessas, ler comentários de um passante. Minha vontade não é minha propriedade, e a verdade é que minha palavra morre e nasce todo o dia, como a flor que só desabrocha na presença de um certo calor de vida - nunca no vácuo, ausência de aspiração. Caminho segundo as idéias que me são. E se elas modificam-se, troco a direção, o sentido - ou viro do avesso.

sexta-feira, janeiro 26, 2007

Com licença, vomitarei.

E, depois de anos, novamente. Sempre novamente, é tudo novo, e ao mesmo tempo velho. Que conceitos ainda valem? Parece sempre haver uma contrapartida anuladora. A gente segue como que participando de uma equação cujos termos não fogem muito de um desvio padrão, e avessos. De maneira que quase nada é certo, mas também quase nada é errado, e vide o diverso. É impressionante, tudo nos foge, como nada nos pertencesse. Ou, bem, que é pertencer? Tudo que não nos deixa transparente? As palavras, por exemplo. É como se não as dissesse - elas que me dizem, e sem pedir licença. Dizem supostamente subordinadas, mas quão independentes! Não tente entender frases feitas de verbos fugitivos! Ah, que perigo. A natureza humana vive sobre este e tais perigos. Ou estou dizendo bobagens. O que não livra ninguém da responsabilidade, talvez a única que nos caiba, de continuar sempre procurando algum sentido. Mesmo a loucura procura algum sentido - é como a ordem dentro do caos. E assim corremos ao infinito, coisa louca. E se não fechar o círculo? Terá valido a pena?

Veja como eu digo, mas só por um instante: toda força dispendida é a medida certa para aquilo que ela causa, mas também é o preço do que deixou de causar. Aparentemente temos aí um dilema eterno. Mas que eternidade é essa que se aplaca com uma decisão - por vezes uma inconsciente decisão? A vida de um homem não cabe na sua memória? Possivelmente nasci quando lembrei pela primeira vez, e isto não tenho idéia de quando aconteceu - me escapa. Voltamos a toda sorte de coisas que nos são escapáveis, das mais corriqueiras às grandiosas. A morte, entre as grandiosas, vez por outra encara e o duro de mirá-la é percebê-la inesquecível. E falo vez por outra para menosprezá-la. O menosprezo, note, é não mais que uma fuga, e o problema da fuga é ter os olhos virados para frente, para o oásis da salvação, que é sempre suposta. Isto porque parece haver alguma liberdade sem limites vislumbráveis a permitir devaneios, inchamento de egos e proclamação de todo tipo de verdades, geralmente para vencer batalhas contra o medo. Algum medo. Talvez desse vazio, filho da anulação. será da solidão?

Sábado

Baixa a persiana e deita encolhido, como se estivesse com frio, e espera passar. Não passa. Mudança de planos. Veste uma camiseta já tirada e calça-se. As chaves. Volta ao quarto, revira a escrivaninha. Lembra-se do bolso da mochila, não precisou delas da última vez que entrou. Da porta recém aberta, passa o ar frio, encerrado do corredor que carece de ligação com a rua, ar de caverna. Do quente para o frio para o quente. Já fora, o mormaço de verão castiga, absorvendo o ânimo já escasso da tarde de janeiro. Árvores às vezes ajudam, ver verde acalma.

Num sonho estranho, como é a maioria, viu um professor, com o qual teve pouco contato, vestido de palhaço. Não é engraçado, é antes um palhaço triste. Palhaços são tristes, tristes ou malignos, não importa. Era só figurante. Importaram mais as escadarias intermináveis, que subiam e desciam, não lineares. Nunca se sabia ao certo onde tal caminho iria dar. E na pequena praça, debaixo de chuva, todo o tipo de tipos ameaçadores. A fotografia era escura, atmosfera abafada. Um quê de filme noir, mas em um clima de distopia. Tudo às avessas, pessoas estranhas, nenhum olhar cúmplice, a falta de uma referência, do porquê de tudo estar daquela maneira.

Nem cogita o ônibus e segue a pé. As ruas vazias denunciam o fim-de-semana e aumentam ainda mais a angústia. Homens num bar, uma dupla com uma cerveja, outro de pé no balcão bebericando qualquer coisa misturada com fanta, todos matando tempo. Pena ou inveja? Talvez ambos. Pela Redenção, aproveita a volta das sombras mas não gosta de ver pessoas felizes. Enfim, só corta caminho por entre bicicletas e chimarreiros. Pela André da Rocha, sobe a Marechal. Olha para os lados e entra na porta escura. O mesmo ar cavernoso, como se os corredores escuros fossem ligados por alguma galeria secreta e comum. Sobe os quatro lances de escada num só fôlego e para para respirar enquanto olha para a porta descascada no fundo do corredor. Bate na campainha, o olho mágico escurece, a porta se abre e Isadora convida para entrar.

terça-feira, janeiro 16, 2007

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Proust e o Gênio

... os que produzem obras geniais não são aqueles que vivem no meio mais delicado, que têm a conversação mais brilhante, a cultura mais extensa, mas os que tiveram o poder, deixando subitamente de viver para si mesmos, de tornar a sua personalidade igual a um espelho, de tal modo que a sua vida aí se reflete, por mais medíocre que aliás pudesse ser mundanamente e até, em certo sentido, intelectualmente falando, pois o gênio consiste no poder refletor e não na qualidade intrínseca do espetáculo refletido.
Proust, Marcel. À Sombra das Raparigas em Flor. Em Busca do Tempo Perdido, 2. São Paulo: Globo, 15ª ed, 2005, página 17.

terça-feira, janeiro 09, 2007

Canto do quarto

Música que canto por sentir
Sinto na pele o medo de cantar
Somente aceito, não minto
Por medo, decidi continuar

Canto abrigo, silêncio
Fecha mais ainda,
Fecha mais e mais
Fecha sobre si mesmo

Eis que flecha minha vida
Seta quebrando teu bloco de gelo
Tu congelada, encolhida
Desperta, posição fetal

Fatalmente desprezo
Qualquer felicidade que venha importunar
Foto, quadro em branco e preto
Minha melancolia fingida.

sábado, janeiro 06, 2007

OU

Estudando biologia, todos os problemas são microscópicos.

Estudando biologia

Todos os problemas são microscópicos.