quarta-feira, maio 31, 2006

Perguntaram a George Stigler, um dos líderes da Escola de Chicago, quando ganhou seu prêmio Nobel, qual a razão de não haver premiações para outras ciências sociais como sociologia, psicologia, história. Stigler respondeu: "Não se preocupem...eles todos já tem seu prêmio Nobel...em Literatura."

Está contido em

A possibilidade de não saber é desfrutada com paixão pelo indivíduo. De modo que, quando realizada, esta possibilidade adquire formas impositivas: os universos paralelos da ignorância multiplicam-se e produzem um grande emaranhado de não saber. Dentro de suas estruturas nascidas desviadas, cria-se uma cultura de natureza totalmente questionável, mas de lógica factual. A moral é senhora nestes terrenos.

A possibilidade de não saber sobrepõe-se a do conhecimento na medida em que, vivenciada, sabe-se única (e é a única coisa que sabe). Ao mesmo tempo, desconhecer é menor, está contido em conhecer. Que coisa contraditária parece essa!

sexta-feira, maio 26, 2006

Prólogo para um livro de receitas

Há alguma coisa entre a fome e a gula - tem de haver. Algo que transite entre a prosaica necessidade de meros componentes químicos e o prazer excêntrico de desencontrar-se na superabundância de alimentos, de esquecer-se na vastidão da mesa. Pois não é este aniquilamento nem aquela casualidade que se apresenta à mesa, quando, ao seu redor ou pelo menos à sua proximidade disposto, está este seleto grupo de amigos bem sentados em cadeiras, poltronas, sofás ou, eventualmente, banquinhos. Seleto, como não poderia deixar de ser um grupo que faz jus à alcunha da amizade, a mais verdadeira - os irmãos que escolhemos, como se costuma dizer.

Compõem esse rico ajuntamento o Ricardo e a Zéti (meus pais), o Paulo e Neusa, o Nicola e a Lisa, o Charles e a Marta, o João e a Zezé, por vezes mais alguns compadres ou filhos, todos formando essa reunião de pessoas, não por acaso, há mais de duas décadas preservando a amizade tal qual o vinho é preservado em barril de carvalho, assim adquirindo mais virtude, oxigenado na exata medida de melhor ser desfrutado. E em cada mês bebe-se deste vinho, alternando-se os lares, sempre o mais aconchegante que os anfitriões podem oferecer. O leigo conhecimento acerca dos vinhos não me possibilita outras metáforas certamente existentes, e esse exercício reservo humildemente às próximas páginas que eles mesmos, ingredientes imprescindíveis deste caldo, trataram preencher.

Discorri sobre o tempero que permeia essas celebrações mês após mês. Muito provavelmente porque outra coisa não pudesse dizer sobre a matéria - devo admitir que eu quero ser assim quando eu crescer, todavia, hoje, não vou muito além de um bife bem passado (alguém aceita?). Decerto que os jantares aqui descritos, antes de provocar salivação em massa nos leitores, terão satisfeito os espíritos desses gaúchos de bom garfo e coração. Mas que não se engane o desavisado: tal contentamento é provisório, pois, bem como observou Guimarães Rosa, "satisfeito, o animal dorme". Esses homens e mulheres, que aqui escrevendo suas receitas também compõem suas histórias, correm de tal inércia e, insaciáveis, vão pondo no forno a segunda edição, enquanto você degusta esta.

Bom apetitchê!

quinta-feira, maio 25, 2006

A luz, o mundo e as sombras do mundo

Três formas distintas concorrem no processo do conhecimento. A sabedoria existe tal qual a luz e é tal qual a sombra que a conhecemos costumeiramente. Assim, e porque a luz nos é diretamente invisível, dispomos de dois instrumentos para caminhar em direção à razão: essa sombra, projetada, a partir da luz, sobre uma superfície pela interposição de outra; e a própria superfície referida, muito freqüentemente nós mesmos. Deste modo, através deste estudo, tem-se uma idéia da luz. E ter a idéia da luz é, ao invés de cegar por causa dela, penetrá-la e conhecê-la - estar em vias de sê-la.

quarta-feira, maio 24, 2006

Notícia trágica e crítica cômica (ou vice-versa)

Não tendo tinta, jogou-se na tela o pintor.

Nota de um crítico sobre a obra:

Dizem, a vida imita a arte. Eis que surge esse sujeito - não sei de onde e não vem ao caso - e transforma, num só tempo, vida, morte e arte, esse triunvirato tão indissociável que às vezes nos aparece sem os contornos da diferença. Está lá o espetáculo da morte, tão banalizado nas cenas do cotidiano, tão nosso, e ao mesmo tempo ainda assombroso, dando a asfixiante sensação de que secreta em quaisquer dos pontos em putrefação na tela, ou em todos de uma só vez, um enorme buraco negro, fim de toda existência, de toda razão, de toda beleza. Está igualmente lá uma massa de cores aleatórias, todas elas sem nunca terem transparecido tanta vida, jamais haviam transposto o descaso de retinas indiferentes à sua pele mestiça, retinas reticentes em enxergar para além de órgãos, cartilagens, ossos e sangue, agora todos estes expostos, nus, estalados no que antes era somente branco, decompondo-se e se derramando tela abaixo, deixando-nos estupefatos, mais ainda porque a gravidade lhes impõe a mesma lei a nós imposta, como se negasse a ausência de suas almas ou, mais assustador, a presença das nossas. Por fim, lá está também, ou sendo uma estranha coexistência de morte e vida (ou coinexistência), a arte, em sua sorte invariável de narrar o inenarrável, de cumprir a impossível tarefa de, tendo esgotado as descrições informativas, fazer saber o homem que ele é o desaparecimento de todas as dualidades.

terça-feira, maio 23, 2006

Por que estudar economia? Joey Cheek tem a resposta!

They teach you a lot of things when you study economics: about marginal cost, incentives, dynamic optimization, etc.

But up until now, the real reason for why people study economics had been a closely held secret known only to economists—kept carefully hidden away from the hoi polloi.

Well, it turns out Joey Cheek, of all people, is the one who blew the secret. You may remember Joey Cheek as a gold medal speed skater from the Winter Olympics. It turns out he is also quite smart. He was admitted to Yale, Princeton, and Stanford. (Harvard, however, turned him down.)

Parade magazine quotes Cheek as saying that he plans to study economics. And then he goes on to blow the secret we economists have so carefully guarded for all these years. He plans to study economics because “that’s what gets the chicks.”

(My wife Jeannette adds that I am living proof.)

Com a mão

Foi como tirar com a mão. Foi o que lhe veio à cabeça após o som da campainha chegar a seus ouvidos. - Estou no banho, te ligo depois, tá? - Estou na minha vó. Te ligo quando chegar em casa. Ainda vou demorar um pouquinho - Tá bom. Beijo - Beijo. Desligou, passou o telefone na toalha, e voltou ao seu banho. Tinha sido só uma hora, mas parecia a eternidade. O tempo passa diferente dependendo de que lado você está da porta do banheiro. Os pensamentos ficaram mais claros e voltavam a fluir em velocidade de cruzeiro. Até a música que tocava na sua cabeça mudou. Aproveitou a água quente caindo no pescoço e desligou o chuveiro. Escorregou ao sair do box. Pensou ainda em como era bom não ter mais aquela angústia no peito.

sexta-feira, maio 19, 2006

quarta-feira, maio 17, 2006

Incentivos importam

Namorados esforçam-se mais no relacionamento quanto maior a probabilidade deste ir por água abaixo (mantendo-se constante, é claro, seu próprio interesse no relacionamento)?

Minha hipótese é de que sim. Mas acho que é preciso fazer a suposição de que o próprio namorado tenha um interesse não negativo na manutenção do namoro. Se permitirmos interesse negativo, a utilidade do namorado aumentaria com menos esforço (dado custo zero para encerrar o relacionamento).

Conhecimento maduro

"Passa-se com os livros uma coisa semelhante ao que sucede com um novo conhecimento que travamos com alguém. Num primeiro momento experimentamos um profundo prazer em encontrar coincidências gerais de opinião ou ao sentirmo-nos tocados num aspecto importante da nossa existência. Só depois, quando o conhecimento se aprofunda, começam a surgir as diferenças. Nessa altura, o comportamento inteligente caracteriza-se pela capacidade de não retroceder imediatamente, como muitas vezes acontece na juventude, e de pelo contrário reter o que há de coincidente enquanto se vão esclarecendo mutuamente todas as diferenças, sem se pretender chegar a acordo absoluto. "

Johann Wolfgang von Goethe, in 'Máximas e Reflexões'.

terça-feira, maio 16, 2006

Os cavalos selvagens de Saer

"Imobilizado no meio da planície, Bianco espreita o horizonte. O borrão leve, móvel, que alterava a linha em que o céu e a terra cinzenta se juntam transformou-se numa mancha nervosa, alongada, que começa a adquirir relevo sobre a linha horizontal e, pouco a pouco, à medida que se separa dela e vai se aproximando, lentamente se desagrega e se transforma numa infinidade de pontos e, depois, de manchas escuras que se sacodem e vão crescendo progressivamente, levantando um rumor remoto que ainda não chega aos ouvidos de Bianco mas que os pássaros, as toupeiras, as perdizes e as doninhas da planície já perceberam, começando a agitar-se, fugindo em todas as direções. Uma lebre passa a toda velocidade, esquivando-se aos pulos, espavorida, das moitas de capim ressecado e ralo. Duas perdizes saem do meio do capim e, voando baixo, pesadas, percorrem um trecho pelo ar e voltam a mergulhar no capim para alçar vôo novamente um pouco mais adiante. No ar, bandos de pássaros se dispersam a toda velocidade. Uma toupeira bate várias vezes na parede de sua toca, sob a terra, depois fica imóvel. Agora o rumor crescente que vem do horizonte começa a chegar aos ouvidos de Bianco e pouco a pouco, da mesma maneira que a mancha original foi se desagregando numa proliferação de manchinhas escuras e ainda sem forma, o rumor apagado vai se desdobrando num ruído crescente e múltiplo, que ainda assim conserva certa uniformidade, e que Bianco deduz ser produzido pelo galope de muitos cavalos.
[...]
A tropilha avança a todo galope pela planície, dispersa e crescente como se sofresse mudanças descontínuas de tamanho, e o ruído dos cascos resoa e repercute, desdobrando-se sob as patas dos cavalos, e se dissemina pelo ar em que os pássaros fogem em todas as direções.
[...]
Os cavalos, todos escuros, os pêlos de tons quase idênticos, com o mesmo ritmo, a mesma velocidade, na mesma direção, masssa sombria e palpitante, de uma multidão unificada por todos os seus membros e ao mesmo tempo dispersa em cada um deles, aglomeração de carne quente, de músculos e nervos e de sentidos, vão propagando o estrondo pelo campo vazio e saturando-o a tal ponto que até os pensamentos maravilhados de Bianco são cobertos pela proliferação sonora e tornam-se inaudíveis ou incompreensíveis para ele em sua própria mente. Vigorosos, disciplinados e selvagens, parecem a massa arcaica do ser deslocando-se como um vento cósmico, dividida num número indefinido de indivíduos idênticos, tal como uma infinidade de estrelas separadas pelo negrume mas todas constituídas da mesma substância, ou uma fileira de álamos brotados da mesma semente e que, observados de certo ponto do espaço, superpõem-se e se fundem até dar a ilusão de serem um só."

A ocasião, Juan José Saer, páginas 25, 26 e 27.

terça-feira, maio 09, 2006

cenas surreais


O surrealismo aplicado ao cinema, a partir de filmes como L'Âge d'or (Buñuel/Dalí,1930), perde um pouco da sua espontaneidade. Isso porque não se pode fazer um filme totalmente sem critério, na medida em que alguma seqüência de etapas deve ser seguida. Qualquer linguagem mais poética ou simbólica aparece de forma mais tênue na película, por falta desta automaticidade. Em contrapartida, a linguagem cinematográfica parace facilitar a compreensão, ou melhor, instiga a vontade de compreender, porque coloca o pensamento em movimento, por mais non sense que sejam as cenas, existe aí uma lógica análoga à lógica do sonho. Há um choque, uma provocação que corre paralelamente e durante toda a projeção das imagens e som (havendo som). E é nessa arte que conseguimos com maior rapidez as respostas a esses questionamentos, sejam elas conclusões genuínas ou simplesmente frutos de ilusões do espectador. O cinema cria, a priori, um contexto que em outras artes existe de forma menos perceptível. Ainda que não se entendam, as questões, de uma certa forma, se encerram.

Por isso é que é mais fácil, por exemplo, rir até chorar numa sala de cinema.

Ouvindo A certain romance - Artic Monkeys.

segunda-feira, maio 08, 2006

Sobre a racionalidade do voto

O dever de toda revolução é encontrar seu revolucionário

sábado, maio 06, 2006

"Uma distribuição igualitária de renda pode gerar níveis de bem estar muito desiguais"
Amartya Sen

sexta-feira, maio 05, 2006

Rodrigo Cambará

Com certeza, posso dizer que é personagem de minha história. Através dele, ganhei marcas de batalhas, senti o gosto do sereno numa noite dum céu tomado por estrelas, ouvi o som de um violão festejando esta mesma noite, dei gargalhadas da seriedade moral, fui aos longes, aos campos todos do Rio Grande, cavalguei solito por serras, colinas, matas e pampas, e, pelo minuano, fui presenteado com seu cheiro de frio. Tocou-me uma adaga doutro frio, escorreu-me sangue quente, amargo e vivo, corri, roubei beijos, fiz caso da igreja e morri herói. E tudo ainda muito depois de ter fechado o livro.
Que hei de concedê-lo em homenagem?

terça-feira, maio 02, 2006

Cronodependência

Fosse o homem sair para uma viagem sabidamente sem volta, haveria de levar consigo seu precioso amigo, o relógio.

Talvez seja a morte, avessa a protocolos, a maneira mais eficaz de livrar o ser humano de seu maior apego.