quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Café frio

Incômodo
sentido neste azedo
Se não fosse já tão tarde
resetava

Muito incômodo, tudo asco
Tomo um gole de café
como dose de coragem (sem efeito)

Incomodo
Repetindo a mesma nota
Destilando meus boqueios


Nem meus modos
Sem razão
um rosto
Sem tesão

O cheiro do café seco na xícara
é resquício,
insuportável,
lembrando tua ausência.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

oceana

não
descartes
o matemático
método prático
catálogo de pensamentos
rascunhado e passado a limpo

logo existirás
é uma questão de ser
ou não
e quem sabe até questão
de tempo

recolhe as gotas tuas
separa
e oceana teus continentes

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

Sono

Sentado, o morto abaixa o cano
sente nojo da bagunça
sente sono e chora

O barulho ecoou pelo fosso de luz e saiu telhado afora, espalhando-se por toda a cidade

Sem palavras, permanece calado
Cresce lenta, de mansinho
saudade dos que viveram

Um vento gelado irradia, desfazendo por um instante o calor da cidade deserta

Sentado, o morto ouve a porta,
o cansaço não permite atender
Ouve o pulso martelando compassado
lembrando como é triste o carnaval

Lá no lago, o sol descerá muito calmo horizonte adentro, tingindo as águas de vermelho

Num repente, sentiu muito e arrependeu
tentou, mas não pôde voltar atrás
Tivesse o tambor outra bala
de vergonha se matava, outra vez.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Tremeluzente

melodia e meia
lua nova lá
se vão com o tempo as horas

demoras passam despercebidas
notas desaparecidas no meio-tom

perder-se, ah, perder-se
diluir o corpo em musicais do porto
dá vontade até de sair jamais

parar na beira o passo
e ter de compasso um horizonte
e a cor de um violino cantar
um SOL

Fronteiras abertas

http://www.fronteirasdopensamento.com.br/

Rascunho

Solto só
Só à procura de ser
Certamente sentir
Sem ter mais por sofrer

Protegendo de amar
Amargura por vir
Virando outro cego
Segurando para não cair

Postergando desculpa
Padecendo, menti
Te encarando, opróbrio
Brio por ti, perdi

Acordei a tempo de dizer que te amo

Depois dum Carnaval

Em metade vos digo, assombro um bar na cidade baixa. Enquanto espio, solito, o vai e vem dos passantes, dou de quando em quando um gole miúdo na minha cerveja, regulando para que, ao mesmo tempo, dure tempo suficiente e não esquente. Suficiente porque não quero ir para casa, e porque não posso pedir mais uma. Restrição auto-imposta esta. Penso que não posso exagerar todas as noites, e todas as noites, salvo algum compromisso, cada vez mais raros estes compromissos, estou aqui, na mesma cadeira, olhando o movimento. Ficar em casa é suicídio, no sentido literal da palavra. Bater cabeça, como se diz. Quando muito bate, a cabeça racha.

Fregueses vão, alguns ficam. Outros chegam e passam. A minha mesa é sempre minha, ninguém toca. Sempre a mesma, canto de lá da porta, bom para observar. Chego cedo e vejo tudo, sei quem vem seguido, quem é novo, quem leva a namorada para casa e volta para caçar, quem liga pro namorado e diz que está com a amiga. A noite desenvolve-se à minha volta e eu funciono como um sol, observando a movimentação previsível. Dois pontos. Primeiro, sou um sol por estar no centro, não por brilhar. Muito pelo contrário, me torno opaco em meio àquela agitação. De início, ainda existo para um ou outro marinheiro de primeira viagem. Logo, como não me movo, não falo e muitos duvidem que escute, acabo um móvel ao qual não se dá pelota. Segundo, o centro fica por minha conta, fruto do meu exclusivo ponto de vista, completamente individualista, de que tudo o que existe tem a mim por ponto zero. Mais uma semelhança, assim como o astro, chega a hora em que me recolho.
Começo de semana eu sou dos últimos a deixar o recinto. Vai se aproximando o fim da semana, o povo resolve ficar mais além, eu tenho minha rotina. De qualquer maneira, termino minha garrafa e dou adeus. Isto é forma de dizer pois não me despeço de ninguém. Quando em vez tento alguma piada que o garçom retribui com um sorriso amarelo de quem precisa garantir sua clientela. Volto a pé, moro perto. O apartamento pequeno é de frente, há quem procure exatamente um destes. Eu não gosto. Escuto as pessoas transitando e me lembro que não tenho mais vida. Já chorei, confesso. Sábado é o dia mais foda. Deitar sozinho, dormir sozinho, saber que semana que vem será igual, e que na próxima e na seguinte e sucessivamente. Virei nisso. É o que uma mulher é capaz de fazer com alguém.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Sagarana

A cacunda do bobo é o poleiro do esperto.
João Guimarães Rosa

Barulho de tintas

Faço-me ouvir
Em silêncio por nós dois
Imagem que soa no papel
Da tinta que escorre, um troféu

Grito baixinho
Um surdo, um ouvido
Olvidas de mim

Incorre de novo
Cala, receio
Repete teu erro

Grafito em mágoa
Um tinto de lágrima
Borrando na tela
Eu pinto um GRITO

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Céu de planetas

uma mão pôs-se sobre a tela
e tê-la pareceu escapar
eram riscos fugidios
palavras caladas

não sabia mais pintá-la
não sabia a perfeição
ajudou ter riscado horizonte
um lugar pras coisas que não sei
o lado de lá é feito de sóis
e eu só vejo sua luz nos planetas do meu céu
a rotação é lenta
e às vezes me acostumo
à consistência dos sonhos
ao meu dia escuro

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Tom Menor

Acorde da tristeza
Janela em canto e tudo pára
Tudo isso para, num segundo instante
Um primeiro olhar sorrir

Por encanto, ao que me consta
Enquanto passa o café
Posa em corpo, prá meu verso
Luz fria da manhã

Pose musa e pára tudo
Muda um pouco, quadro a quadro
Abro os olhos, me deparo
Um gatilho prum sorriso

Encanto em tom menor
Entrando janela adentro
Num domingo, muito cedo
Tudo muito, muito belo.

Fica, se não muito, um pouco mais
Só o tempo necessário
Preciso guardar

Acordo de um sonho
Mão tateia, procurando
Me conforta, te encontrar.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Adapto a falta de nexo, mas sobram motivos para notar um algo errado. Uma parede que muda de cor, pessoas mortas dançando tango, silêncio num bar, diversos motivos para questionar uma noção amplamente difundida. Sem meios termos, o que mais parece é que estou numa fábula pronta para desmoronar.

Aceito o desafio e sigo adiante, tomando cuidado para desviar de um padre caído no chão. O pobre enlameado contorce-se por uma dor muito forte. O motivo desconheço, se surra ou veneno, se um pecado recém confessado e impassível de perdão. O bafo que desprende e torna densa a caminhada parece até ser dotado de vida. Um bafo verde, úmido e morno, que parece indicar que aquele lugar não é indicado aos passeios. A jornada se desenrola por um caminho de terra, com barro e sons desencontrados. Estranha acústica deste lugar onde tudo soa mais de uma vez, às vezes de um modo surdo, noutras como numa lata de lixo. A jovem marmota, cujos óculos buscam disfarçar seus traços de pouca esperteza conversa com a velha coruja, de voz calma, grave e macia:

- Quem será que vem lá? Certamente não é muito esperto, pois veste meias sem sapatos. Nesta lama que anda por aí, não convém tal atitude.
- Correta sua observação inexperiente amiga. Mas não julgue tão prontamente, pois as meias podem proteger do contato direto com o chão. Sabe-se lá o que este estranho viajante sente ou pressente.
- Pode até ser que não seja possível julgar sua inteligência a primeira vista, mas sua aparência sim, e afirmo que a natureza não foi muito generosa para com ele.

Chego aos dois pequenos animais tagarelas, que me olham com olhares diversos. A marmota me mira por cima de seus óculos, com ar de superioridade. A coruja prefere um olhar de enfado. O mais estranho de todos sou eu, que não atribuo grande importância a dois animais que conversam. Pergunto que horas são:

- Depende para que - responde a coruja.
- Como assim? O horário independe de razão. Depende tão somente do posicionamento solar - respondo eu, sem muita certeza do que digo.
- Isso foi antes. Antes de trocarem o sol.

Dou-me conta de que no lugar do sol há um grande holofote vermelho, formato do logotipo da coca cola. Um patrocínio desfazendo toda uma noção da passagem de tempo. Paciência.

- Preciso seguir, mas não sei para onde. Sabem aonde chegarei por este caminho?
- Qual a diferença se este é o único caminho que existe? - responde a marmota - Se seguir é uma necessidade, a pergunta é praticamente inútil.
- Já que não vejo boa vontade nas respostas de vocês, sigo meu caminho. Não vejo razão para ficar perdendo tempo com essa conversa despropositada.

Sigo com a cabeça baixa, pensando no que acaba de acontecer. Não me importei com o tom claramente hostil da pequena marmota, mas a indiferença da coruja realmente me deixou incomodado. Neste momento, dou-me por conta que meu pé livrou um pouco da lama do caminho, e o que ele mostra é colorido. Limpo um pouco mais e o que é revelado é um padrão flower power. Penso que isto pode estar relacionado com a coruja e a marmota, mas nenhuma das duas me pareceu hippie ou coisa parecida. Esta coisa de flores, cores e paz e amor é coisa do passado. Passado parece ter o tempo, já que me dou por conta que minhas mãos estão enrugadas e um pouco pálidas. As dores no corpo me dão mais pistas, na falta de um espelho. Estou velho, sem dúvidas.

Adapto a falta de sexo, conseqüências da idade já avançada. Caminhar é preciso, mas me faltam ânimo e forças. Já não lembro mais por que caminho e nem ao menos sei se algum dia já lembrei. Mas logo avisto uma multidão. Vou ter com eles, saber o que acontece por aqui. A multidão se agrupa em círculo. No centro, dois homens muito magros e esfarrapados lutam com todas as suas forças. Informo-me sobre o acontecimento:

- Oferecemos um prato de comida aos dois pobres coitados. Mas os dois têm que brigar por ele. O barbudo é bom de soco - diz um rapaz, sem tirar os olhos do espetáculo.
- Eles não poderiam dividir? - Pergunto.
- Mas qual seria a graça então? Idéia estúpida esta sua.

A cena é deplorável. Os pobres diabos estão desesperados e tiram forças que nem supunham ainda ter. O de barba castiga o descamisado, mas este consegue agarrar uma pedra e golpear a cabeça do primeiro. O povo urra com o sangue. O barbudo não se dá por derrotado e consegue voltar a socar o pobre sem camisa. Espanca-o até seu corpo parar de mover-se. Recebe seu prêmio com a mesma gana que utilizou contra seu adversário, agachando-se sobre o prato e utilizando as mãos com destreza para devorar seu alimento. A multidão extasiada afastasse, deixando o corpo sem vida a mostra. O rosto está inchado pelas pancadas, mas inconfundível. É o meu alguns anos atrás.
Calma lá, que de onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada.