sábado, junho 30, 2007

Nada muda

Nada serve, tudo muda.

Um esforço
após o outro
revela-se em vão.

Em um minuto
o quarto vira em hora,
a hora vira em sono
e o branco permanece
um alvo na tela.

Nem um bumbo reto,
marcial,
se vê capaz
de espantar
esse silêncio.

quinta-feira, junho 28, 2007

terça-feira, junho 19, 2007

Medusa às avessas

não dão sossego
ao tempo
ansiam pelo depois
correm pra vê-lo correr
morrem por vê-lo passar

(gente passatempo
todo mundo quer girar)

a multidão apressada
respira por indícios
num repente, outro início
a gente cega
não deixa sossegar

o amanhã nem amanhece
e aquela gente esquece
marca-se o espaço
atravessado em ponteiros
bengalas em punho e adiante

(bom dia é um dia escapado, veloz)

bebe-se da hora alheia
em cronometrada arena

perde-se no descanso:
a lança fere um ponto
e hora escorre por vão de artéria

soluços frenéticos de um dia passageiro
que engole o relento da noite

e em raras madrugadas
quando ninguém está olhando
o sereno desce ligeiro e deita
umedece a vida, teimando ainda doce
a vida lenta
a vida não admirada

(olhos de gente nunca chegam)

segunda-feira, junho 18, 2007

E as mentiras, no final das contas, são as que mais sabem das verdades.

terça-feira, junho 12, 2007

She's not a girl who misses much

Madalena terminou seu café da manhã e subiu para buscar sua mochila. No banheiro, observou-se demoradamente enquanto escovava seus dentes com uma impaciência típica de seus 16 anos. Sentiu-se cansada e resolveu ser diferente aquele dia.
Antes de continuar, é importante conhecer um pouco mais de Madalena:
No dia anterior, Madalena passara a tarde rodeada por seu séquito. No anterior também. E antes desse, idem. Era bonita, como muitas gurias aos 16. Mas, mais que isto, afinal todo mundo têm 16 uma vez na vida, era confiante. Morena de cabelos lisos, sabia sorrir para conquistar e sorrir para magoar. As colegas davam tudo para serem eleitas, e Madá era tirana. Algumas menos dotadas ganhavam seus momentos de preferência e aproveitavam enquanto podiam. As preferidas desfilavam como artistas. Enquanto se contentavam em ser belas coadjuvantes, Madá tratava-as como iguais. Bastava não tentarem se impor e tudo estava resolvido. Enfim, tinha o mundo a seus pés (ainda que, aos 16 anos de idade, o mundo se resuma, basicamente, pelo seu colégio e alguns poucos grupos destacados de outros colégios da cidade).
Mas Madalena era assim muito por ser linda e por ter a oportunidade. Era esperta e sabia lidar com pessoas. Como por instinto, reconhecia os elementos de um grupo e orquestrava tudo a seu bel prazer. Ao mesmo tempo, ela tinha essa coisa por dentro. De quando em vez, precisava de solidão. Queria ficar sozinha, deprimia-se com isso, mas não podia lutar contra. Fora por causa disto que Sandra caíra.
Sandra era uma espécie de número dois. Eram inseparáveis. Ditavam o que era e o que deixava de ser. Onde ir e o que era engraçado, inteligente ou bobagem. Mas Sandra fez pouco de Madá quando esta, num ataque de melancolia fora de hora, mandou todo mundo embora e quis, desesperadamente, ficar sozinha, às três da tarde! Sandra caiu em desgraça no conceito de Madalena, e, conseqüentemente, do grupo todo. Hoje, Sandra é, condenscendentemente, autorizada a participar das reuniões, das festas, do recreio, como uma figurante "querida".
Pois, esta manhã, Madalena sentiu-se, mais uma vez, cansada de tudo isto. Deixou seu boné da Adidas em cima da cama e colocou o Panamá de seu pai. Olhou-se mais uma vez no espelho, pegou sua mochila e foi para o colégio. Quando estava chegando, alguma coisa houve. Todo o séquito com seus bonés levemente tortos olhou e se sentiu "out". Ainda que todo mundo em volta estivesse com um boné, a partir daquele momento elas não tinham certeza de que era a coisa certa a fazer. Madá sentiu o desequilibrio que tinha criado e sentiu-se desconfortável em saber que uma decisão sua era capaz de criar uma pequena revolução. Só sentiu-se confortável quando seus olhos encontraram os olhos daquela guria de preto, que usava um all-star e estava sozinha com seu mp3. Não sabia bem por que, mas ela entendia.

segunda-feira, junho 11, 2007

Através

A vida não é a liberdade, mas o que se faz com ela.

O relógio vai empilhando números, funcionando taliqual uma esteira de fábrica. Entram segundos, saem horas, em questão de minutos. O tempo não deixa resíduos de si. Talvez porque nem exista o que restar. Não é apreensível - mente o relógio. O homem não penetra no tempo, doutro modo não haveria liberdade alguma. É certo que algumas restrições existem, mas não se dão no tempo; a qualidade da liberdade não se dá, então, pelo tempo, pois não há liberdade onde não possa haver impedimento.

Isto pensado idealmente. Pois não só os relógios estão por aí aos bilhares com seus tiquetaques incessantes, como o mundo gira em períodos demarcáveis, e a vida - humana - acontece em sessenta anos, mais ou menos. O tempo em si não foi inventado pelo homem, esteve aí a pré-história para não nos deixar mentir. Mas a liberdade permitiu inclusive que se compreendesse o tempo sob diversas perspectivas, e a isto se seguem valores e comportamentos vários. O homem racionalizou o tempo, deu-lhe um sentido em sua vida. Talvez por achá-lo razoavelmente incompreensível no absoluto, tratou de reparti-lo. Que faria alguém com a eternidade?

Tomando uma, talvez outra, de suas invenções: o dinheiro. Que faria um homem com uma nota de cem trilhões de dólares? Com quanta liberdade estamos dispostos a lidar? Quem está disposto a aceitá-la?

Nascemos com a memória, e não tivemos de ensiná-la a apreender. O que podemos falar de nossa vida, passa por sua apreensão. E por nossa linguagem. Mas fiquemos com a memória, por enquanto. Ela não distribui o que apreendeu da vida em tópicos, porque não atribui um mesmo valor a todas experiências. Quem sabe aquilo que fez incontáveis vezes seja o mais esquecido, quem sabe por isso mesmo. A quantidade não é primordial para a memória. Se ainda não podemos dizer que o que conta na vida não é quantificável, talvez possamos dizer que quem conta não está preocupado com isso. Tampouco este contador de histórias - ou esta contadora, já que aqui se fala da memória - tem a marcação do tempo na ponta da língua, ou toma-lhe como indissociável dos fatos. Não, isso não lhe parece tão importante. Datas precisas tanto fazem, horas se atropelam, minutos se resumem. O que fica na memória - a vida que não perece, ao menos enquanto sãos vivemos - atravessa os anos, atravessa os lugares, e se pensarmos profundamente, atravessam mesmo as pessoas, até alcançar um ponto fixo de sentimento, que nos acompanha não por outro motivo senão porque também somos aquele ponto.

Se soou óbvio dizer que o que fica é o que atravessa, ou seja, continua, é porque a linguagem tem por natureza a simplicidade, assim como a natureza tem esta por linguagem. Flocos de neve descem a encosta do morro pela gravidade. Unem-se e continuam descendo. Crescem porque vão encontrando mais flocos pelo caminho. Já deixaram de ser o que eram. Mas não deixaram de ser. E sempre terão sido. E assim sempre serão.

segunda-feira, junho 04, 2007

Grovska ( 2 )

Derrubou o telefone no susto. Heitor desapareceu. Bruna chamava André, desde o azulejo frio da cozinha, sabendo nada do que se passava. Ouvia seu nome, cada vez mais alto, como no despertador. Mirava o telefone, era sua namorada chmando da Itália, tanto queria lhe falar. Mas se mantinha inerte. Balbuciou, o medo antecipando-se às sílabas: Gro-vs-ka.

O que lhe acontecera? Parecia um papagaio, seu vocabulário reduzido a uma palavra. Tentou mais uma dúzia de vezes e comprovou. Era Grovska, e nada além disso. Estava perdido, não podia recorrer à Bruna, que a esta altura nem estava mais na linha, tampouco entenderia. Precisava de um amigo, alguém haveria de ter idéia do que se lhe passava, alguém que o ajudasse a recuperar suas palavras. Não podia aquilo: falava, mas não havia conexão com sua vontade. E que diabos era Grovska? Soava como russo, como se estivesse bêbado - sim, como se falasse enquanto garagarejava uma considerável dose de vodka. Tentou acalmar-se. Foi lavar o rosto. Ainda tinha seus pensamentos. Era só uma questão de libertá-los. Escovou os dentes, a escova de Bruna. Olhava-se no espelho, não parecia diferente em qualquer aspecto. Foi ligar o computador, mandaria e-mails para os mais chegados. Desistiu assim que começou a escrever - leriam tarde, certamente, e ainda responderiam com incredulidade. Teve uma idéia, buscou o celular. Mandaria uma mensagem de socorro. Pensou no único amigo que poderia estar acordado àquela hora. Gustavo tinha uma academia de ginástica, levantava cedo. Apressou-se em digitar.

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O telefone tocou. Atendeu sem pronunciar sua sentença. Gustavo chamou:
- André?
- Grovska... esforçou-se para dizer, apesar da vergonha: era necessário que o amigo ouvisse. Gustavo desatou a rir. Fez elogios ao bom humor de André em pleno meio de semana.

- Mas e aí, o que me conta, rapaz?
- ...
- Hã?
- Grovska.
- Tss. Tá, guri, vi levar adiante agora essa história? Que que é, saudade da Bruna? Tá carente, é?
- ...
- André?
- Gr...ovs...ka.
- Ô André, quer saber, vai tomá banho! Eu tenho mais o que fazer.

É. Ele também não o levaria a sério. Bobagem que fizera, chamar o Gustavo. Tinha de buscar um médico, e teria de ir pessoalmente. Foi vestir-se. Era caso de ir no pronto-socorro. Era isso que faria. Lembrou-se ainda de pegar papel e caneta, de algum jeito expressaria seu martírio e faria entender-se. Não deixou de ajeitar a gravata, a situação solicitava credibilidade. Pegou as chaves e dirigiu-se à porta.

O som das chaves entrechocando-se o despertou.

- Grovska!, disse ao acordar. Achou estranho, tossiu, esqueceu. Heitor olhava-o ao pé da cama, a testa enrugada.

sexta-feira, junho 01, 2007

GROVSKA?
E ainda contam sobre dias e noites
que acolhem aqueles sedentos pelo silêncio
De maneira inversa,
sentem o barulho
bumbar em pranto alheio

Sentem pena dos tempos
orquestrados para ninguém sentir
Só inventam casos,
diversos
passos até cairem em si

Ao final das contas,
sentem a saudade do que um qualquer sentiu em disco
Para que, afinal?
Se podem voltar a mentir,

Incômoda
mas única saída
honrada
conhecida.