segunda-feira, junho 11, 2007

Através

A vida não é a liberdade, mas o que se faz com ela.

O relógio vai empilhando números, funcionando taliqual uma esteira de fábrica. Entram segundos, saem horas, em questão de minutos. O tempo não deixa resíduos de si. Talvez porque nem exista o que restar. Não é apreensível - mente o relógio. O homem não penetra no tempo, doutro modo não haveria liberdade alguma. É certo que algumas restrições existem, mas não se dão no tempo; a qualidade da liberdade não se dá, então, pelo tempo, pois não há liberdade onde não possa haver impedimento.

Isto pensado idealmente. Pois não só os relógios estão por aí aos bilhares com seus tiquetaques incessantes, como o mundo gira em períodos demarcáveis, e a vida - humana - acontece em sessenta anos, mais ou menos. O tempo em si não foi inventado pelo homem, esteve aí a pré-história para não nos deixar mentir. Mas a liberdade permitiu inclusive que se compreendesse o tempo sob diversas perspectivas, e a isto se seguem valores e comportamentos vários. O homem racionalizou o tempo, deu-lhe um sentido em sua vida. Talvez por achá-lo razoavelmente incompreensível no absoluto, tratou de reparti-lo. Que faria alguém com a eternidade?

Tomando uma, talvez outra, de suas invenções: o dinheiro. Que faria um homem com uma nota de cem trilhões de dólares? Com quanta liberdade estamos dispostos a lidar? Quem está disposto a aceitá-la?

Nascemos com a memória, e não tivemos de ensiná-la a apreender. O que podemos falar de nossa vida, passa por sua apreensão. E por nossa linguagem. Mas fiquemos com a memória, por enquanto. Ela não distribui o que apreendeu da vida em tópicos, porque não atribui um mesmo valor a todas experiências. Quem sabe aquilo que fez incontáveis vezes seja o mais esquecido, quem sabe por isso mesmo. A quantidade não é primordial para a memória. Se ainda não podemos dizer que o que conta na vida não é quantificável, talvez possamos dizer que quem conta não está preocupado com isso. Tampouco este contador de histórias - ou esta contadora, já que aqui se fala da memória - tem a marcação do tempo na ponta da língua, ou toma-lhe como indissociável dos fatos. Não, isso não lhe parece tão importante. Datas precisas tanto fazem, horas se atropelam, minutos se resumem. O que fica na memória - a vida que não perece, ao menos enquanto sãos vivemos - atravessa os anos, atravessa os lugares, e se pensarmos profundamente, atravessam mesmo as pessoas, até alcançar um ponto fixo de sentimento, que nos acompanha não por outro motivo senão porque também somos aquele ponto.

Se soou óbvio dizer que o que fica é o que atravessa, ou seja, continua, é porque a linguagem tem por natureza a simplicidade, assim como a natureza tem esta por linguagem. Flocos de neve descem a encosta do morro pela gravidade. Unem-se e continuam descendo. Crescem porque vão encontrando mais flocos pelo caminho. Já deixaram de ser o que eram. Mas não deixaram de ser. E sempre terão sido. E assim sempre serão.

2 comentários:

Arbº disse...

saiu atropelado, meio de superfície, cheio de interrogações, talvez contradições. a completar certamente, embora pouco provável que de forma definitiva.

Felipe disse...

O que se faz com a vida? Ou o que se faz com a liberdade?