terça-feira, maio 16, 2006

Os cavalos selvagens de Saer

"Imobilizado no meio da planície, Bianco espreita o horizonte. O borrão leve, móvel, que alterava a linha em que o céu e a terra cinzenta se juntam transformou-se numa mancha nervosa, alongada, que começa a adquirir relevo sobre a linha horizontal e, pouco a pouco, à medida que se separa dela e vai se aproximando, lentamente se desagrega e se transforma numa infinidade de pontos e, depois, de manchas escuras que se sacodem e vão crescendo progressivamente, levantando um rumor remoto que ainda não chega aos ouvidos de Bianco mas que os pássaros, as toupeiras, as perdizes e as doninhas da planície já perceberam, começando a agitar-se, fugindo em todas as direções. Uma lebre passa a toda velocidade, esquivando-se aos pulos, espavorida, das moitas de capim ressecado e ralo. Duas perdizes saem do meio do capim e, voando baixo, pesadas, percorrem um trecho pelo ar e voltam a mergulhar no capim para alçar vôo novamente um pouco mais adiante. No ar, bandos de pássaros se dispersam a toda velocidade. Uma toupeira bate várias vezes na parede de sua toca, sob a terra, depois fica imóvel. Agora o rumor crescente que vem do horizonte começa a chegar aos ouvidos de Bianco e pouco a pouco, da mesma maneira que a mancha original foi se desagregando numa proliferação de manchinhas escuras e ainda sem forma, o rumor apagado vai se desdobrando num ruído crescente e múltiplo, que ainda assim conserva certa uniformidade, e que Bianco deduz ser produzido pelo galope de muitos cavalos.
[...]
A tropilha avança a todo galope pela planície, dispersa e crescente como se sofresse mudanças descontínuas de tamanho, e o ruído dos cascos resoa e repercute, desdobrando-se sob as patas dos cavalos, e se dissemina pelo ar em que os pássaros fogem em todas as direções.
[...]
Os cavalos, todos escuros, os pêlos de tons quase idênticos, com o mesmo ritmo, a mesma velocidade, na mesma direção, masssa sombria e palpitante, de uma multidão unificada por todos os seus membros e ao mesmo tempo dispersa em cada um deles, aglomeração de carne quente, de músculos e nervos e de sentidos, vão propagando o estrondo pelo campo vazio e saturando-o a tal ponto que até os pensamentos maravilhados de Bianco são cobertos pela proliferação sonora e tornam-se inaudíveis ou incompreensíveis para ele em sua própria mente. Vigorosos, disciplinados e selvagens, parecem a massa arcaica do ser deslocando-se como um vento cósmico, dividida num número indefinido de indivíduos idênticos, tal como uma infinidade de estrelas separadas pelo negrume mas todas constituídas da mesma substância, ou uma fileira de álamos brotados da mesma semente e que, observados de certo ponto do espaço, superpõem-se e se fundem até dar a ilusão de serem um só."

A ocasião, Juan José Saer, páginas 25, 26 e 27.

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