terça-feira, setembro 25, 2007

Trem de nuvens

Um trem de nuvens serve de pano de fundo para a cena. Horácio escolheu a estrada secundária para encurtar seu trajeto e fugir do pedágio, e atingiu seu objetivo, mas ao custo da lentidão de camionetas velhas, buracos e alguma lama. Não tivesse chovido na noite anterior, a lama seria trocada por um bocado de poeira.

Depois de passar pelos ferro-velhos (que devem sobreviver vendendo sucata uns para os outros, tantos que são eles) o verde torna-se mais freqüente, e a agradável luz da manhã acaba por deixar a região bonita, coisa que não é regularmente. O trem branco cruza o seu caminho azul com considerável pressa.

A pista simples e sem acostamento restringe a velocidade da viagem à lentidão do carro a frente. Formam-se comboios encabeçados por grandes caminhões ou carros com dois dígitos de idade. A melhor opção passa a ser olhar ao redor e contentar-se com o que há para ser visto. Ao observar o céu a sua frente, Horácio elabora a frase "um trem de nuvens serve de pano de fundo para a cena" e pensa que é uma boa maneira de começar um texto, um conto, um romance. A imagem de um trem de nuvens também funcionaria em um poema, pondera. Precisa anotar aquilo, não pode deixar passar. Pega então o bloquinho no qual, com pouquíssima disciplina, anota o consumo de combustível de seu carro, no porta-luvas. A operação é delicada, já que precisa manter um olho no caminhão que está na sua frente e outro ao verona apressado colado na sua traseira. Seu motorista parece manter a esperança de que conseguirá, em breve, espaço suficiente para ultrapassar. Horácio, com o bloco na mão esquerda e caneta na direita, mede as distâncias e estuda os comportamentos de seus dois vizinhos de estrada. Passa a tarefa de conduzir o veículo a seu joelho e dá-se conta de que a simples tarefa de escrever uma frase já formulada ganha proporções maiores com o veículo em movimento. Prossegue lentamente, alternando atenções para o papel, para a estrada a sua frente, e para o carro na sua traseira.

Sua atenção tinha muitos destinos e, quando o sinal ficou amarelo, a camioneta à frente do caminhão acelerou e passou com o sinal já vermelho. O caminhão, que tinha hora para entregar a sua carga, também acelerou e foi na esteira da camioneta. Horácio, ao desviar sua atenção do bloco para o caminhão à sua frente, viu que este segui adiante e fez o mesmo. Everaldo, que estava com o seu horário queimado e não via a hora da maldita sinaleira esverdear, acelerou e acertou a lateral do carro de Horácio, que rodou antes de alcançar a pista oposta à de Everaldo onde Soninha não tinha pressa, mas já tinha arrancado seu carro, e acabou por acertar novamente o carro do já fraturado Horácio. Seu Argeu assistiu a tudo de seu verona prudentemente parado para o sinal vermelho.

Um comentário:

Arbº disse...

AUHUAHAUHAUHA FABULOSO!
E EU QUE TINHA PERDIDO TEMPO EM NÃO LER!