quarta-feira, março 28, 2007

Nunca a manhã

Cruzou o grande parque com trajetos sonambulantes, as árvores desenhando seu caminho. Tinha nelas os únicos sinais de uma vida concreta, que desapareciam a cada curva.

Aquela manhã luzia entrecortada por algumas folhas caducas mais teimosas, e as sombras que projetavam não durariam outro amanhecer. O vazio explorava o espaço com seu facão aniquilador, abrindo tudo ao que o frio fazia nada, cada vez mais penetrante. O homem teimava em ficar de pé, sendo pedra fraca. Demorava-se na vez das árvores, como um cão, na ânsia de encontrar Anabela. O sol lhe concedia um sorriso inexpressivo, que nem chegava a ser amarelo. O mundo desfizera-se de som e, monocromático, era só um destempo que parecia divertir-se com a lenta decadência do homem. Era um passar que não passava, um presente duro, sem fim, tal qual uma fotografia triste que fedia como se fosse muito muito velha.

Mas, tão jovem quanto Anabela, sua morte havia começado nas frestas que seu orgulho fizera em seu viver. O derradeiro impulso, que o submetia ao jogo impiedoso da sobrevida, vinha não sabia donde, literalmente: não sabia. Era só ser, livre e decadente. Quisesse - pudesse querer - trocaria seu inútil livre arbítrio por um corpo de animal.

4 comentários:

Arbº disse...

me deu essa vontade de continuar a história, julguei que permitiria.

Arbº disse...

pra dar um engate mínimo da tua primeira parte com esta, poderia esta começar assim: "Ela não veio. Cruzou o grande parque..."

Felipe disse...

Permito sim. É claro...
Mas não te esquece que tem outra história que a muito espera por uma continuação, e que a bola tinha ficado contigo, hehehe

Arbº disse...

bah, aquela dos libertadores? olha, vou até dar uma olhada noutra hora, mas é que não conseguia me inspirar, ou continuar a escrever naturalmente nela... mas de repente...