sexta-feira, dezembro 29, 2006
Lapso
quinta-feira, dezembro 28, 2006
A árvore de natal
é estranho
esas geralmente não caem
mas caiu
e junto uma estrela
a floresta pegou fogo
é simples assim
deveriam cuidar
com mais cuidado
árvores de natal
não dá nem lenha
restou intacta do incêndio
caída
como para simbolizar alguma coisa
árvores de natal gostam de simbolizar
Modorra
Sono preguiçoso,
Paquiderme
Calor de verão
Sol castigando
Pausa no tempo
Acordei amolecido
O ar parado cansou
Cantou perto o mosquito
Longe a vontade passou
A culpa volta moendo
"Indolência!", Maquina a cabeça
Estico um pouco o braço
Continuas aqui.
quarta-feira, dezembro 27, 2006
Apenas
como voar
não diz porque não pousa
só passa
sussurra e passa
verso leve
beija a face adormecida
não ouve porque repousa
mas sonha
sonha e atravessa
verso leve
travesseiro de penas
flutuam nuvens sobre a cidade
que o vento forma e deforma
segundo sua velocidade
verso leve veloz
deixa-se na reticência
como se o infinito fosse
livre verso leve
sob o fio
a ponta brilha
cega meu olho
me sossega
finca a carne
e molha o chão
vertigem dosada
a queda dos pingos
a sincronia de uma paixão desaforada
arde a vida em chama
ávida clama e dança
são dois dedos de oxigênio
gênio!
cai o corpo carbonizado
a faca chora
tirou-me o seco
lágrimas quentes
sinto muito
como nunca senti
Verdes Raros
Um gozo de tempos em tempos de paz
Jogos de almas, palavras trocadas
Cadeia de eventos em ventos do sul.
Bato de frente com verdes mareados
Batem na fronte os verdes mareados
Contam histórias, afogam silêncios
No verde sem fim, fui aprisionado
Conta comigo de novo começo
Não escondo mais meu sorriso.
Bato de frente
Batem na fronte
terça-feira, dezembro 19, 2006
Previously on Diverso e Avesso
Que não conhece o mundo a sua volta, então inventa.
Subitamente, a fantasia acaba. Sons de teclados, fragmentos de diálogos das salas vizinhas, o ventilador de um computador, o silêncio que não tem origem, tudo se mistura freando o passar do tempo. Inquieto, mudança brusca de ambiente, o conforto do mesmo cede lugar à mudança. Hábito ou vício? Tudo isso por uma economia burra. Um canal dos meus fones de ouvido estraga, e toda a realidade reaparece, real.
Ah, os acordes da realidade! Emudecem uns ao outros - o turbulento silêncio que, proclamando a ditadura da liberdade, torna-nos surdos à verdade.A cena agora é a de um comício, que dará origem a uma passeata. O recado final, dado por um dos homens do palanque, não poderia ser outro. Ouvem todos o que querem ouvir, a liberdade aos gritos, e saem apressados a correr o mundo - a catequizar os leigos. Um dos homens corre à sua vila e proclama - "estamos todos livres!", e o povo passa rapidamente de desconfiado para igualmente extasiado - "livres!". Que bênção! O grande dia! Visitam-se as portas de todas as casas. A família que estava reunida em volta da tv até esquece da novela por um instante. Pareciam eles mesmos estarem dentro de uma, coisa estranha, até então sua memória dava conta de uma liberdade comunicada à margem de um longínquo rio, ao sol de um longínquo tempo, por um homem em seu cavalo empunhando sua espada, como mostrava uma figura num livro de história do colégio. O caçula abre a boca e profere sua primeira palavra em língua portuguesa, com uma voz fresca porque nova, doce porque ingênua - "liberdade", e arranca a cabeça da boneca da irmãzinha.
Caminham todos felizes pela boa nova, a euforia leva-os para frente. Alguns gargalham pela simples visão da alegria de seus pares. Nada pode contê-los a partir de agora. Até que um rapaz muito tímido, sempre contemplativo, sempre chamado de abobalhado na surdina pergunta com a voz tão insignificante quanto a sua presença: e para onde vamos agora? Como assim? Somos livres, não precisamos dar satisfações! Todos condenam o pobre, mas não gargalham mais, nem ao menos continuam seu caminho. Já não sabem mais livres de que, ninguém é capaz de responder o que exatamente os prendia. Livraram-se da ilusão, precisavam agora livrar-se da realidade. E, no meio da multidão desorientada, uma boneca sem cabeça é pisoteada sem nem ao menos ser notada.
Desliga a tv com a imagem, estranhamente dolorosa, da boneca pisoteada fixa em suas retinas, e permanece imóvel. Lembranças de uma revolução. A tão falada revolução que não viveu e sobre a qual seus pais parecem ter feito um pacto de silêncio. Talvez por isso não estivessem agora naquela sala. Uma revolução inventada, a vergonha de uma geração.Ele nunca tivera bonecas, nem mesmo irmãs que as tivessem, e, se fosse bem sincero à sua memória, notaria uma escassa infância que ainda mal desfrutou. Carrinhos e bolas lhe escapavam. Talvez por isso a boneca decepada lhe atingira o peito como um assombro que vem e rouba o ar e suspende o corpo - foi por uma mistura de aflição e fascínio, num reflexo, que apertou o off.Na tv ainda se viam desenhados, na parte inferior direita, os contornos de um corpo genérico, mas sem uma generalidade básica, ausência esta que lhe dava calafrios. Sentiu-se inseguro e desamparado. E ainda mais devido à sua imobilidade irreversível. Uma eternidade se passou até que alguém entrou na sala.
Muito bem crianças, hora do passeio no pátio. Aproveitem que o sol está lindo.
Ver a televisão era um momento bastante esperado por todos seus colegas e por ele também. Mas naquele dia a experiência tinha sido completamente diferente. Aquela imagem era diversa de tudo que já tinha visto. Imagens da glória da libertação eram comuns, não era aquilo que despertava sentimentos contraditórios em seu peito. Era a boneca que apareceu no filme, sem ser notada por mais ninguém. Poucos segundos, num canto da tela, e sem cabeça. Já tinha brincado com uma daquelas uma vez na sala de jogos. Já tinha estado lá sete vezes, e lembrava de cor de cada uma delas. Na última, tinha sido um dos melhores da turma naquele ano. Orgulho! Pôde brincar com um carrinho sem fio! A imagem não lhe saia da cabeça, podia sentir até agora o poder de dirigir aquele carro que se movia como num passe de mágica, pelo mero apertar de botões. Mas aquilo não fazia sentido, não havia brinquedos antes da libertação. As crianças trabalhavam naquele tempo por todo o tempo. Como haveria uma boneca na rua, ignorada e destroçada daquela maneira? Algo estava errado. E aquilo embrulhava o estômago.
À noite, a tensão já tinha ido embora junto aos últimos raios do entardecer. Um vento suave mas gelado como que o anestesiou por completo, e, agora, um único sentimento brotava do fundo de sua alma. Na verdade, melhor seria dizer que não se percebiam as raízes daquela sensação que mais parecia um gigantesco nada, tão profundo e infinito como o negro céu sobre sua cabeça, tão trespassante como aquele minuano. Sua dor desta vez não era sentida, era, antes, impossível, da mesma maneira que sua própria existência lhe parecia infactível. Teria pensado, se naquele momento pudesse pensar, em todas as perguntas que ao mundo pudesse fazer. Divorciado de seus sentidos, quem sabe tenha desejado apenas que aquela noite nunca acabasse, e a reticência compulsória da sua natureza reinasse para todo o sempre.
Silêncio. Silêncio completo. Não dá prá ter silêncio completo. Sempre fica uma vozinha. Não vou pensar em nada ... tão escuro ... dia de TV ... cheiro... ? ... fumaça? ... queria ser adulto prá ficar acordado... droga! Não consigo ficar sem pensar. Sempre fica alguma coisa. Será que alguém consegue? O Rafael acha que pode tudo, abobado. Aposto que nem ele consegue. Tomara que amanhã tenha suco no café... suco no café? A gente diz café, mas não é sempre café... coisa louca... estudar prá ser importante. Queria saber jogar, correr, sei lá. Aí podia ser importante sem estudar... pena que não pode ligar a luz ... bomba ... e a professora? Ela é muito mais esperta do que o Rafael, me ensinou tudo que eu sei, vai que ela sabe não pensar também? Aí pode ouvir o silêncio, mas deve dar medo, ficar sozinho, sem nem a tua cabeça, mas não pode dar medo, senão não é silêncio, aí já pensou, então como é? ... fez frio mas tava bom brincar, correr esquenta, mas eu canso, droga, coisa sem graça, aí ninguém me escolhe pro time, mas eu sou bom em história, ninguém vai melhor que eu, mas ninguém se importa com aula, mas a professora me elogiou! ... hoje teve TV depois da oficina ... aquela boneca ... quem não ia ver? Nem se importaram, e ela tava sem cabeça ... uma vez vi matarem uma galinha ... festa ... quebraram o pescoço e depois cortaram a cabeça ... assaram ... ... escuro ... amanhã tem... que morno... ... galinha ... ... ... boneca ... ... morno ... ... ...
Está ficando muito tarde - pensou, quando deu-se por si. Caminhou de volta à casa. No trajeto, deteve-se, como de costume, um breve tempo na pracinha longe dois quarteirões de sua casa.O orvalho escorria silencioso pela gangorra. O balanço movia-se levemente, mas não a ponto de se fazer ouvir. Chegou ao centro da pracinha e tomou assento no gira-gira. Depois, ainda que este estivesse úmido, deitou-se, com o corpo pequeno que facilmente se adaptou à forma circular do brinquedo. Com a ponta do pé esquerdo fez força para conseguir embalo, e começou a girar com velocidade cada vez maior, até não precisar mais dar impulso. Sua visão era a de um céu em espiral, as estrelas fundindo-se e se separando como se fossem cometas cruzando-se. O negro profundo do espaço ganhava ares de mistério, como o interior impenetrável de uma caverna. Agarrou-se com mais firmeza ao metal, tinha a sensação de que poderia perder-se pra sempre caso voasse dali e fosse engolido pela escuridão. Fechou os olhos, dentro de si ainda era quente.O gira-gira foi perdendo velocidade, parou. Abriu os olhos, o céu sobre si ainda girava, confuso. Com esforço levantou-se. Andou alguns passos até sentir novamente o frio da noite, sua única companhia ali. Dirigiu-se à gangorra. Abaixou a ponta que estava no alto - estava mais seca - e se sentou, primeiro mantendo-a equilibrada através das pernas, depois, baixando aos poucos, até fazer chegar ao chão. Pôs-se a mirar a ponta oposta, agora em situação diversa, no ponto alto. Por um momento, quis que alguém estivesse ali com ele - nem que fosse o Rafael -, só para sentir-se mais longe do chão, no ar, como a estrela que brilhava em linha reta com a ponta oposta. Um peso para a leveza. Sempre sonhara em voar...A umidade veio concentrar-se em sua direção. Pensou na força da gravidade, tão constante e silenciosa. A professora havia explicado com uma maçã. A mesma maçã sobre a qual falara a tia da catequese, pra falar de pecado, mas isto ele não havia entendido bem. A gravidade sim. Levantou-se. Já estava se molhando demais.
O pecado é bem mais confuso. Porque o pecado é mau. Mas, quando é pecado, é porque tá bom. Se é ruim, se eu não gosto, se machuca, não é pecado. Ficar dormindo até mais tarde quando tem serração é pecado. Contar prá todo mundo que eu acertei tudo no ditado é pecado. Pecado mesmo é a Rita, eu não sei bem porque, mas sinto.Coruja curiosa, parece deus espiando prá me ver pecando, olhos arregalados grudados em mim.Coruja de sobretudo, esperando eu pensar maldade para me prender em suas garras.Calças geladas. Molhadas. Não posso me trocar... fazer barulho nem pensar. Se se dão conta que me escapuli... melhor frio do que surra. Não sei. Surra passa logo, frio rasga.Rasgando carne, trincando ossos, frestas tão pequenas espantam um sono que o cansaço convidou com tantos folguedos. Silvando baixo, intermitente, parecia estar por todos os lados. Sobretudo, os olhos crescem no escuro, fixos, inquirindo, lendo tudo, até o que fica lá no fundo. A gangorra tão conhecida toma proporções assustadoras quando sobe, o equilíbrio acaba, e o abismo não parece ter fundo. Queda sem fim, nem fim no tempo, nem fim no espaço. Concomitantemente, tudo no mesmo ponto, no mesmo instante. Silêncio igual teria duvidado pouco tempo atrás, tudo junto muito longe.Escureceu.
A mãe achou que tivesse mijado nas calças, o que não deixou de mencionar à mesa do café-da-manhã. Engoliu a vergonha com pão e leite, mais dificilmente porque era simulada. A irmã menor lançava-lhe um olhar incômodo. Lembrou-se da coruja - já não sabia se tinha sonhado com ela ou se a vira de fato na noite anterior. O olhar silencioso e perturbador que inquiria a solução de seus enigmas. Enigmas que ele mesmo não saberia resolver.O pai fechou o jornal, levantou-se. Era o sinal, todos para o carro.Alguma notícia importante, pai?O pai manteve-se quieto e muito sério.Sim, havia uma. Mas o pai de Israel não havia gostado nem um pouco dela.
Não era exatamente uma notícia, era antes um aviso disfarçado na seção de variedades. Mas não havia dúvidas de que era ele.
Não havia mais volta. Tinha começado.
Com sorte, talvez ninguém o reconhecesse, ou, pelo menos, não alguém que fizesse caso com o contexto da foto. Mas era, definitivamente, um aviso, um último recado que pedia com urgência uma atitude. Mesmo a legenda estava cheia da perspicaz ironia de Flávia, dizendo tudo, quase sem dizer. Mas como, diabos, ela conseguira aquela foto? Olhou o retrovisor, sentindo-se vigiado e, depois, desprotegido, apesar de que, aparentemente, a rua estivesse deserta. Israel não deixou de perceber a aflição calada do pai. De um certo modo, isso lhe acalmou um pouco. Afinal, não eram simples bobagens de criança aqueles sentimentos que lhe tomavam. Seu pai parecia ter mil segredos dentro de si, quem sabe colecionados ao longo da vida toda. Que ele, Israel, faria com os seus? O céu, as estrelas, a lua, todos confidentes que lhe entendiam como se parte dele fossem. Restava-lhe ainda uma vontade de que, não só que o ouvissem, respondessem às suas indagações ou ao menos compartilhassem seus mistérios de forma menos silenciosa.A irmãzinha puxou seu cabelo, já estava virando costume. Antes que Israel revidasse de alguma forma, porque criança nunca deixa barato, a mãe interveio, falando firme com a caçula. A pequena Samira queria atenção, e a cabeça de Israel era a única ao seu alcance. Talvez mais alguns poucos anos e já pudessem conversar sobre isto de caminhar com as próprias pernas.
Sua primeira providência era tirar todos dali. Não queria sua família envolvida, eles não precisavam saber de nada... seria melhor para todo mundo. Ela não tinha o direito. Diabos, tinha sim, e ele esperava por aquele dia, sabia que chegaria.Apesar da raiva e do medo que tomavam conta, a sutileza com que foi feito lhe dava um conforto estranho. Uma lembrança boa de Flávia. Todo o tempo que passaram juntos, não foi só sexo, e também não foi uma simples amizade, um simples namoro. Tinham um duelo permanente, estavam sempre desafiando um ao outro, sem nunca deixar isto claro. Eram desafios intelectuais ou morais cuja principal característica era exatamente que cada um se esmerava para que a afronta não fosse claramente percebida. Era um jogo de dissimulações, mas era antes uma disputa de egos. Quem tinha o senso de humor mais requintado, tão requintado que ninguém mais poderia perceber que ali havia humor. Admirava Flávia e sabia que era recíproco.Precisava deixá-los em lugar seguro, iriam atrás dele com certeza, o que significava separação. Da esposa não tinha grandes problemas. Gostava dela, era uma boa pessoa e tinha consciência de que ela o amava. Mas separar-se dos pequenos seria um martírio. Notava em Israel as mesmas inquietações que sentia quando era um guri. Pensativo, mas ao mesmo tempo dissimulado, ele não fazia perguntas. Não externava perguntas, bem entendido. Aquele olhar vazio não enganava. Sozinho, era bem capaz de acabar como o pai.Ao mesmo tempo, Israel sentia os olhos da coruja cada vez mais perto. A testa do pai estava suada, e ele preferiu ficar quieto. O pai não respondeu para onde iam. Não perguntou duas vezes, tinha aprendido que era melhor fingir que estava tudo bem. Ninguém gostava de fuxiqueiros. Ele não, pelo menos.Estava enferrujado, não estava mais acostumado a estas fugas. A última tinha sido sua grande peça em Flávia. Claro que tinha todo o contexto da libertação, as cartas e tudo mais. Mas sabia que ela não deixaria barato, pregaria uma muito maior.O primeiro carro cortou a frente deles. O segundo chegou logo em seguida, ninguém viu de onde surgiu. Saíram três homens com uniformes dos libertadores de cada um deles...
Israel acordou e não reconheceu o quarto. Não era um quarto da zona habitacional. Nem era como os da escola, que tinham beliches e grandes janelas. Este tinha cortinas, suas paredes eram pintadas, era bem bonito e grande. Sua cama era a única ali. Ainda assim, era bem maior que o quarto de sua casa, onde dormiam ele e sua irmã. Por falar nela, não estava ali. Nem ela e nem seus pais.
Depois que os libertadores os fizeram descer do carro, a irmã começou a chorar. Um deles, que parecia mais novo do que os outros, mas que era, definitivamente, o chefe, avisou calmamente minha mãe que a criança deveria calar-se, caso contrário, eles o providenciariam. O pai só precisou olhar Samira nos olhos e ela compreendeu e ficou em silêncio. Não trocaram mais nenhuma palavra durante todo o trajeto. Foram conduzidos a algum lugar nos fundos de um furgão, rodaram por horas. Durante todo este tempo, Israel teve medo. Ainda sim, não pode deixar de ficar pensando no primeiro carro que os parou. Nunca tinha visto um daqueles. Chegou muito rápido, parecia rápido até quando parado. E ele ficara extasiado com aquilo. A esses pensamentos, de curiosidade e fascinação infantil, juntavam-se pensamentos de que aquela estrela lhe disse alguma coisa. Voaria, não tinha dúvidas. Olhou para seu pai com saudades. Sabia que tudo aquilo era por causa dele, provavelmente nunca mais o veria. Esperaram todos sentados no banco de uma grande garagem. O pai parecia resignado e sua mãe tinha os olhos vermelhos. Chorara baixinho na traseira do furgão. A irmã estava grudada no colo da mãe e parecia em choque. Desde que o pai a repreendera com os olhos, não abriu mais a boca. Quanto tempo ali ficaram, não saberia dizer. Provavelmente, dormiu no banco da garagem e dali fora levado para o quarto.
Lembrava de ser dono de um urso, um urso dourado. Os fragmentos do sonho ainda eram vivos na sua memória. O urso tinha os olhos tristes e brincava com miniaturas de soldados no pátio. Pequenos soldados de plástico moldado, inanimados, como os que vira no museu de Santa Maria, anos atrás. O amigo urso dispôs os bonecos simulando uma batalha. Verdes contra amarelos, que tinham armado uma emboscada para os primeiros. O pátio era o mais cumprido que já vira. Ainda assim, o urso não cabia ali, ficava apertado, e seus olhos passaram de tristes e chorosos para dotados de uma raiva sem limites. Israel chamava pelo seu nome, Bóris, pedindo calma. Mas a raiva crescia nos olhos de seu amigo animal e o terror do ataque iminente paralisou seu corpo e sua voz. Não podia gritar por socorro e nem ao menos se afastar o suficiente. Nos olhos da besta, uma boneca esfarrapada e decapitada refletia e, em uma das mãos da boneca, o pai chorava de arrependimento.
quarta-feira, dezembro 13, 2006
cadentes
só quer para si
o sol, o seu sol
parece até que ar
de um lugar
de ser só, de ser só, de ser só
mas eu sei que só eu não
serei não, perecerei
que se fosse um sol só de arder
morreria por mim
eu não quero o fim de tudo em mim
quando o sol puser o céu assim
sem cor, sem me ver
que eu seja estrela de alguém
seu sol, luz de ser
terça-feira, dezembro 12, 2006
quarta-feira, dezembro 06, 2006
terça-feira, dezembro 05, 2006
Cebola de máscaras
sexta-feira, dezembro 01, 2006
Dezembro
Eu sei que é difícil acreditar, afinal são muitos anos (quantos tu tens?), eu chego hoje ao meu vigésimo terceiro dezembro. E quase acredito. Mas deveríamos ter suspeitado quando descobrimos que nem mesmo o Papai Noel aparece em dezembro. É tudo invenção. É tudo invenção! Muito necessária, há que se admitir. De que outra forma um fim se ajustaria ao começo com tamanha perfeição. Imagina, novembro acabar e a gente, assim, dá de cara com janeiro! Precisávamos mesmo deste amortecedor, este plasma onde confundem-se as matérias de passado e futuro. O que passou é digerido e o que é devir vem num sopro, feito mágica, cola na gente. Passamos sopostos trinta e um dias com essa nítida sensação de que um grande plano está sendo traçado às escondidas. Dezembro está embalado pra presente. Entendeste? Ele é sem ser, ou, é o que virá, mas agora. Sempre vestido de mistério, dezembro atravessa-nos o espírito. É isto, se queres saber: ele existe, mas sob outra forma de existência. É por isso que gosto tanto de dezembro: ele não tem tempo nem lugar, mas não deixa de ser. Vã será a tentativa de entendê-lo. Dezembro é de sentir, não de saber. Na verdade, talvez isto também seja o precioso da coisa toda: não saber. É preciso ter alma pra amar dezembro, e reconhecê-la.
Instiga este acaba-não-acaba. Dá até um calafrio. É como se novembro e janeiro fossem prédios bem altos, à distância de metro e meio: sabemos que conseguiremos saltar de um prédio para o outro, mas a proximidade com o fim nunca nos deixa tão vivos, e provoca arrepios. Concorda?
Sejas um otimista ou um adepto do conformismo, estejas em quaisquer das variações entre a esperança convicto e o niilismo convencido, percebe que dezembro penetra tuas narinas e tu já não distingues quando respiras ou sufocas, teus desejos parecem ocupar o mesmo espaço de tuas frustrações, tudo assim confundido, que chega a ser estranho quando parece fazer sentido. Isso se desse pra tomar dezembro entre os dedos e mirá-lo como uma borboleta. Mas dezembro pousa tão macio no dia primeiro, levanta tão ligeiro no trinta e um, que só dá pra recordar a cor quando se acorda o ano novo, e tu sentes na bochecha a umidade de um beijo que quer te lembrar, só quer te ensinar a fugir da mesmice. Dezembro foge da mesmice.
quarta-feira, novembro 29, 2006
Reino dos sonhos
quinta-feira, novembro 23, 2006
Redenção
Um para cada lado foi como seguiram depois da despedida. Roberto foi enfático, mas não queria aquilo. Foi um blefe. Achou que quando Vanessa sentisse que realmente teria coragem de terminar com tudo, tomaria tento da realidade e desistiria daquela idéia idiota de separação.
Passara duas semanas de cão. Demorou para entender o que Vanessa queria. Começou reclamando de qualquer erro dele, coisas que sempre fez agora eram motivo de reprovação imediata. O pessoal do trabalho já estava comentando. Comia pouco, não falava, estavam estranhando seu mau humor. Mas bem que a Doutora Fernanda e a estagiária dela entenderam direitinho o que estava acontecendo e já botavam as asinhas de fora. Olhavam-no como duas raposas caçando: olhares vorazes. Roberto não se preocupou com isto. Não naquelas semanas em que aquilo que via crescer desmoronava. Quando ele finalmente resolveu questionar como ela agia de maneira estranha, Vanessa desconversou – Ai, não é nada. Que mania de sempre achar que é alguma coisa. Só tô cansada, trabalhei prá caralho hoje – mas estava estranha. Estava estranha, mas desconversava, e foi o que lhe deu forças para blefar no momento fatídico.
Tá acontecendo ou não? Coisa estranha, absurda, sem importância, cretina. E o telefone não toca. Não toca e não adianta ficar olhando para ele. Bobagem. Primeiro, é como o mundo caindo, depois, como se tudo fosse se resolver num estalo, num clique. Será? Puta merda, parece que esperou eu me convencer, isso não se faz. Gosto porque não tenho? Mas tenho ainda. Não sei. Preciso descobrir a palavra mágica, sei que existe. Vou dizer e tudo vai voltar ao normal, ninguém vai mais tocar no assunto, vai me abraçar, me beijar, e vamos sorrir. Que que eu fiz, porra? Que merda será que eu fiz? Ou não fiz. Alguém fez... caralho, puta que pariu, isso não. Que merda. Vou pressionar. Mas não vou ligar. Vou esperar, deixar. Não vai se agüentar e vai me ligar. Ou mandar mensagem. Aí sim, aí vai ver, vou tirar isso a limpo.
A ligação não fora esclarecedora. Ela não confessou nada, pelo contrário. Negou e disse que nunca o trairia, que o amava. Aquilo deixou Roberto mais puto do que nunca. Como assim amava, caralho? Quem ama gosta, quer estar junto, quer conversar, tocar. Ela comportava-se de maneira diametralmente oposta. Como ele sentia sinceridade no seu tom de voz, a única conclusão lógica a que podia chegar é de que era um trouxa muito fácil de ser enganado. Quantas vezes já teria sido crédulo desta maneira? Todos os fatos apontando para um lado, mas uma explicação combinada de uma voz arrependida o levavam a acreditar no absurdo. Despediram-se e foi dormir bravo com sua estupidez.
“E aí, que que deu?” foi a primeira coisa que Vinícius lhe perguntou pela manhã, no cafezinho. O seu, grande e amargo, o dele, doce. Tomavam o primeiro ali, ao lado da cafeteira e levavam o próximo para suas mesas. Não deu nada, conversamos durante um bom tempo, mas ainda não sei o que que houve direito. Ela tá confusa. “Toma uma atitude então, rapá. Diz pra ela que ou dá ou desce. Ou vai prum puteiro curtir a fossa, hahaha. Pode não resolver o teu problema, mas pelo menos tu comeu alguém.”
Não é preciso dizer que a conversa não ajudou e que o trabalho não rendeu como deveria mais uma vez. Pelo menos estava emagrecendo. Sentia o vazio no estômago cada vez que pensava na vida de solteiro. Aquilo dava medo. Será que conseguiria sobreviver naquele mundo novo? Teria que conhecer gente, refazer agenda, uma sucessão de primeiros encontros, mesmos papos, mesmos fins de semana naqueles lugares com aquele monte de gente otária. Voltaria a ser um deles, mais uma vez. Não queria, mas Vanessa que colocou nas mãos dele. Estava decidido.
Roberto blefou. Foi ele quem disse, com todas as letras, que tinha acabado. Não era palhaço para ficar passando por aquilo. Não era palhaço, mas deu alguns passos e virou-se, esperando o arrependimento. Vanessa continuou caminhando, não titubeou. Ele ficou assistindo ela chegar ao chafariz antes de desistir e continuar caminhando na direção oposta. Ela era bonita e não teria dificuldades de achar um novo namorado. Ele sabia que ela gostava dele e que não acharia fácil a separação. Mas tremeu quando ela não virou para a última olhada. Já não tinha tanta certeza de que ela voltaria para seus braços.
Vanessa agüentou firme até o carro. Entrou, colocou a chave na ignição e desabou em choro. Não sabia se era aquilo que queria, nem se não era. Não queria nenhuma alternativa possível. Só gostou de ele ter dito, nunca teria feito sozinha.
quarta-feira, novembro 22, 2006
terça-feira, novembro 21, 2006
;-)
O Problema do Oligopólio no Voto em Sistemas Multipartidários
domingo, novembro 19, 2006
sexta-feira, novembro 17, 2006
Milton Friedman
quarta-feira, novembro 15, 2006
Outro Engano
Com quem não se importa
Cantando baixinho, sussuro
Amordaçado, carente
Emenda sonho e dor
Fala depressa, inventa
Renega carinho, orgulho
Engole o choro num soluço
Deixa de lado, vem
Vem sem pressa, meu bem
Foi-se embora mais um ano
Ano que vem, outro engano
Fala passando a mão
Quero carinho compassado
Vou me fazer de coitado, e depois
deixar marcada a dentadas
E depois tudo de volta
Atarantado, que cena!
Sem cortejo, choro, nem vela
Mudo, calo, e tu consentes
Tentaste e eu te avisei
Tem coisa que não vale a pena
Passar por trouxa não paga
O gosto da sinceridade
Deixa de lado, vem
Vem sem pressa, meu bem
Foi-se embora mais um ano
Ano que vem, outro engano
terça-feira, novembro 14, 2006
É simples
Devendra Banhart
I heard somebody say
That the war ended today
But everyone knows it's goin' still
Our motherlands and motherseas
Here's what we believe
It's simple
We don't want to kill
I heard somebody say
That the war ended today
But everyone knows its goin' still
Our motherlands and motherseas
Here's what we believe
It's simple
We don't want to kill
Oh, it's simple
We don't want to kill
Oh, it's simple
We don't want to kill
Oh, it's simple
segunda-feira, novembro 13, 2006
Resgate
sexta-feira, novembro 10, 2006
Otimizando
quinta-feira, novembro 09, 2006
Nadar
Verdade
terça-feira, novembro 07, 2006
Avesso e diverso
ou ser bem diverso e também desconversar
- ser ave de gesso
posso alçar vôo só num verso lento
um verso devagar de momento
divagar sobre uma nuvem de sentir
ou passar veloz submerso em mim
posso até um que outro divertir
por este ou por aquele fim
bem mais difícil seria divergir
deste outro que me é sem eu ser
deste que é diverso ao meu verso de rimar
deste que se constrói sobre palavras
aversões desassentadas de suas terras
bem mais difícil seria dissecar o espírito ora difuso
enxugar essas letras úmidas de mergulho raso
declinar deste impulso que toma ares alheios
pousar bem no meio deste signo que indica o tesouro
poder não ter certas contradições
mas as contradições certas
poder perder a voz mas não a vez
ser um paradoxo flexível
com loucuras de embriagar
e asas de também repousar
poder até usar a rima
assim, como lazer
poder dizer por cima do pescoço
eu não sou de gesso
escolher que poder mereço
terça-feira, outubro 31, 2006
Volta
segunda-feira, outubro 30, 2006
4 minicontos
Sentia-se um palhaço. Doía-lhe a espinha. Fazia-o de bobo com sua prepotência. Ousada, apontava no seu nariz: vergonha. Enfadava-lhe aparecer. Talvez fosse mesmo a sua alma contida naquele pus retido.
O destino de quem é transparente.
Não tinha jeito. E aquele andar coisa-de-louco. Curvou-se em reverência natural. Ela passou cega e apressada como se percorresse a própria mão. Fez cócegas na dele. Estaria traçada na linha da vida.
Da última geração.
Tudo que tinha era pressa. Destino ou decisão, o que viesse primeiro. Não tinha dados ou dor. Muito menos a sorte de um amor. Fosse um computador! Mas era só a pressa. Peça do tempo sobre a ausência.
Réquiem para um desencontro.
O violão não ouviu a voz da luz. Sentiu o calor esticar suas cordas, silenciosa tortura expandindo seu corpo. O último grito veio em seis notas trágicas que o fogo rebentou. A lâmpada explodiu de dó.
quarta-feira, outubro 25, 2006
Dicas de um passageiro
Perderão aqueles que deixarem pra depois.
terça-feira, outubro 24, 2006
sexta-feira, outubro 20, 2006
quarta-feira, outubro 18, 2006
terça-feira, outubro 17, 2006
Passaporte
de ver-te
desconhecendo
passar por ti
teus olhos e através
fronteira
linda
imaginar tua língua
detrás de teus lábios
que me silenciam canto
de sorriso
dá saudade
reconhecer-te
só de sonho
cruzar na rua a ponte
numa tarde demorada
passar-me despreocupada
com brisas de volver quem é
Desktop
segunda-feira, outubro 16, 2006
Nem sei se
por mim
eu fico um pouco mais
aquém do que imaginou
além do que sorriu
Nem de graça vou
voltar
é o que sonhei
prá ti que declinou
prá quem mais eu menti
Chora
Não
Por mim
Chora
Não
Por mim
Sim tu te entregou
prá mim
foi só tesão
prá quem se enganou
sabendo que partiu
Sinto, te entregou
prá mim
não serve não
por que não esperou
saber o que eu senti
Chora
Não
Por mim
Chora
Não
Por mim
quarta-feira, outubro 11, 2006
GIz para Renato
Acho até que estou indo bem
Só apareço, por assim dizer,
Quando convém
Aparecer ou quando quero.
Desenho toda a calçada
Acaba o giz, tem tijolo de construção
Eu rabisco o sol que a chuva apagou
Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És parte ainda do que me faz forte
E, p’rá ser honesto,
Só um pouquinho infeliz.
Mas tudo bem
Tudo bem
Tudo bem
Lá vem lá vem lá vem
De novo:
Acho que estou gostando de alguém
E é de ti que não me esquecerei.
[giz, renato russo]
terça-feira, outubro 10, 2006
No carro, pego a direita, e o Fim Da Linha mistura-se com a lembrança de uma Ipiranga cheia. Gosto das ruas de Porto Alegre, das árvores, do clima provinciano, menos caótico. O ar condicionado, os vidros fechados, a música, tudo isso não me deixa voltar realmente para cá. Falta o mormaço, a falta de vontade hoje tem outras razões. Estranho preocupar-me com o trânsito de Porto Alegre, tendo vivido São Paulo. Viver São Paulo significa horas nos deslocamentos. É sair uma hora antes do compromisso para descobrir que um acidente parou tudo, e todos sabem que isto acontece, e ninguém quer saber, porque deveria ter saído duas horas antes.
Engraçado como o pessoal espantou-se quando disse que voltaria para cá. Não sofri seqüestro relâmpago e nem assalto, por que deixar Sampa? É claro que nunca ganharei aqui o que ganharia lá. O que eles não entendem é exatamente isto aqui. Árvores no bairro, poder tirar o pé. Mas eu não tirei o suficiente. Na garagem, vejo que tenho dez minutos para chegar ao escritório, o dobro do necessário.
Toca o telefone. É o Bruno? Não é do feitio dele ligar a essa hora da manhã.
Olhos de Édipo
E ele dizia para si mesmo que o problem a fundamental não era: sabiam ou não sabiam? Mas: seriam inocentes apenas porque não sabiam? Um imbecil sentado no trono estaria isento de toda responsabilidade somente plo fato de ser um imbecil?
[...]
Nesse ponto Tomas se lembrou da história de Édipo. Édipo não sabia que dormia com sua própria mãe, e, no entanto, quando compreendeu o que tinha acontecido, nem por isso se sentiu inocente. Não pôde suportar a visão da infelicidade provocada por sua ignorância, furou os olhos e, cego para sempre, partiu de Tebas. [...]"
{A insustentável leveza do ser, quinta parte, capítulo 2 - Milan Kundera}
sexta-feira, outubro 06, 2006
Grovska (1)
Esquentou água pro café pensando, exatamente, em que haveria sonhado. Acordara com uma sensação estranha, que de estranha passou a inexplicável quando olhou pro relógio e, incrédulo, constatou que pela primeira vez no ano havia se antecipado à hora de levantar, que no seu caso era sete e trinta. Que coisa. O microondas apitou. Conseguiu capturar imagens e sensações menos escorregadias: bonecas, país estrangeiro, pressa. Enrugou a testa. Do quarto veio soar o despertador. Sete e trinta informava a voz doce de sua namorada, e cada vez menos doce alertava, até vir o berro histérico e chato numa voz quase masculina, muito da maleducada. Foi desligar. O microondas voltou a apitar. O dia prometia e a promessa era nada agradável. Grovska. Grovska? Enrugou a testa. Estranho. Admitiu que ainda sonambulava. Tomou um gole do café. Esquecera do açúcar. Voltou a pensar nas bonecas. Não eram de pano, soube que sabia naquele instante. Eram duras, talvez frias, pintadas. E com pressa. As bonecas é que tinham pressa. Não só elas, ele também, todos. Talvez os perseguissem. Tinha uma ponte. Tomou mais um gole, balançou a cabeça, foi pôr açúcar. Três colheres de chá. Atravessavam a ponte, talvez fugissem do país estrangeiro, ou para ele. Desconhecia aqueles homens, por que o perseguiam? E, que diabos, bonecas?! Pela primeira vez no dia sorriu. Pensou na namorada, ela sorria na foto sobre a mesa, virou-se para contemplá-la. A essa hora estaria em algum daqueles cafés de Roma, ela adorava café. Eles. Tomou o último gole. Heitor veio esfregar-se em suas pernas. Era o gato. Querendo comer, certamente, e com muita razão. Miou. Gostou de ouvir algum som afetuoso. Acariciou os pêlos de Heitor. Macios. Heitor parecia gostar, presumia-se um sorriso. Pensou na namorada novamente, desta vez teve a sensação de senti-la. Macia. Heitor miava agora repetidamente. Será que quer comer? Foi ver se achava aquela ração, mas não lembrou onde Bruna dissera que guardava. Teve uma idéia fabulosa: pegou um pires, pôs leite. Heitor enrugou a testa. Por um breve instante ambos miraram o leite. E slept, slept, slept, soou a pequena língua de Heitor esvaziando o pires com sua pequena língua. Esvaziou. Ficou olhando pro gato, o gato pra ele. Definitivamente Heitor não estava satisfeito. Lembrou que ontem não havia lhe dado nada do que comer, ou... beber. Talvez nem anteontem, será? Foi buscar no armário um prato de sopa.
Foi quando contemplava com interesse e espanto a cena do alvo Heitor de bigodes leitosos dando conta do segundo prato fundo que tocou o telefone. Absorto, apercebeu-se só no sétimo toque, quando o gato deu-se por satisfeito aparentemente. Foi atender.
Grovska?
Heitor enrugou a testa.
quinta-feira, outubro 05, 2006
quarta-feira, outubro 04, 2006
Olhos nos Olhos
Vítor saiu de casa com a cabeça feita. Já tinha uma boa desculpa e preferia fazer direto, sem rodeios. Machucar de uma única vez, que nem injeção. A enfermeira chamava sua atenção para uma ilusão ou um brinquedo, qualquer coisa. Quando se dava por conta, já tinha sofrido a vacina, tudo acabara, só restava um fundo gelado de picada, que logo desaparecia. Faria assim, melhor prá todos.
Ele amava Roberta, e isto não podia negar. Passaram bons momentos juntos, davam-se bem. Tinham gostos parecidos, não tinham problemas para ir ao cinema ou escutar música, eram prazerosos seus diálogos. Mas, ela era fresca. Era isso, e ele não admitia tal coisa. Churrasco, tinha que levar picanha e queijinho, no qual os amigos, não só por gula, mas por implicância justificada, atracavam-se sem pudores. Não acampava e peixe tinha que ser com grife: linguado ou salmão. Se fosse seu amigo, certamente seria implacável na arriação.
Ao entrar no carro, sentiu-se mal. Era medo. Igual a quando correu do cachorro do seu Anselmo, com todos torcendo por ele do outro lado do portão, ou quando deu-se conta de que o pai não ficaria mais curado, que era somente uma questão de tempo. Os membros não respondem, o estômago embrulha, o suor é frio. Calmou, pensou novamente e lembrou de todos os argumentos que já tinha usado para se convencer. Girou a chave e seguiu seu caminho. Trocar o Cd. Led Zeppelin não combina com seu momento. The Cure. Filho da puta apressado, não pode esperar? Não era isso que queria pro momento, não essa melancolia. Precisa de outra. Que que será que quer? Stones não, definitivamente. Chico! Era isso, perfeito para todas as ocasiões onde há mulher na jogada. Puta, tá amarelo, vou ou paro? Caralho! Travou
...
Dor, arde, puta que o pariu, ahhhhhh, merda, que que é isso? Tá louco? Embrulho no estômago. Vontade de vomitar. Doi, muito frio.
...
Não andar? Melhor morrer? Puta merda meu. Um segundo e isso? É assim? Cadeira de rodas, depender dos outros. Vai ser assim? Paraplégico. Caralho de som do carro. Custava prestar atenção, merda. Foder, nunca mais?! Puta que o pariu. Ninguém mais vai me querer. Vou ficar sozinho pro resto da minha vida. Acabou a minha vida. A Roberta, será que ela vai continuar comigo?
Primavera
terça-feira, outubro 03, 2006
Eus poéticos
mas o pessoa diz como poucos
e disse, do poeta, fingir dor
mesmo a dor que deveras sente
pessoalmente, digo mais
não só finge como dita
ditador
e o que lhe causa a poesia
leitor
é a agonia de tua liberdade
grita ela sobre cada verso
num universo paralelo
não havendo poética impessoal
não há obrigações com ética
ou revelações altruístas
cada verso e toda estrofe
é para uma pessoa só e implícita
segunda-feira, outubro 02, 2006
Estranho experimentar situação tão pacificadora na situação em que se encontrava. O corpo doía muito, precisava respirar devagar, filhos da puta. Mas não era provável estar muito longe da vila, não tinha passado tanto tempo dentro do carro. Será que dormira? Aquele jagunço de merda não brigou limpo. Não que tivesse vencido de outra maneira, nunca foi um brigador. Sempre foi melhor na conversa, e mais de uma vez achou conveniente voltar prá casa com o orgulho avariado, mas com os dentes no lugar. Filhinho de papai fiadasputa. Botando banca, botando marra. Pisando firme no salão só porque é filho do homem. Caralho. Quer um harém prá ele? Quem que pensa? Não ia baixar a cabeça, nem a pau.
Finalmente, depois de horas caminhando (na verdade, não tinha muita noção de tempo, sem relógio, celular, ficava completamente perdido) avistou uma cabana. Casebre. Longe da estrada. Finalmente, ajuda, água para a sede e para o corpo. Ainda não era um telefone, não havia fios por perto.
Será que pega celular por aqui? Acho brabo. Assim que der jeito, volto lá e aqueles merdas me pagam. Tudo preso. Acham que são donos do mundo? Acham que aquele fim de mundo é o mundo. Não perdem por esperar.
Na casa, o cachorro ladra, mas o guri vem prender. Chama pelo pai, que andava por perto. A velha vem acudir, que o homem tá pisado. Deitam ele e providenciam um de comer. Mas, o que que, ainda que mal lhe pergunte, o que que houve ao senhor...?
Marcos, professor do colégio no Rolantezinho. Me desculpa a falta de educação, com a confusão, não me dei por conta e não me apresentei. Pois foi que teve baile ontem, no salão do Bola. Fui conhecer, que sou professor, mas não tenho senhora. Quando o baile já tava acontecendo, resolvi conversar com uma moça, bem simpática, Ana Cecília, e chamei prá dançar. Foi quando Zé Túlio, filho do prefeito veio tirar as caras. Parece que tinha interesses na moça. Mas, como ele já tava de gracejo por uma, se rindo todo, resolvi argumentar que não tava fazendo mal algum em conversar com Ana Cecília. Não tive nem tempo de escolher baixar a cabeça ou comprar briga. Surgiu um bronco de porrete na mão, nem sei de onde, e sentou o sarrafo. Apanhei que nem cachorro. Protegi a cara e güentei. Depois que caí, mais de um bateu, mas nem vi quantos. O senhor veja a safadeza das pessoas, como tem gente que não vale nada nesse mundo.
Ficou um silêncio. A mulher ficou quieta, o capiau ficou quieto. Nem o cachorro latiu. Pediu desculpa, mas que eu pegasse rumo.
Esquisofrenia curada
sexta-feira, setembro 29, 2006
Pesquisa, só informal
E já que estamos no tema, este é o resultado parcial da Primeira Pesquisa Diversa e Avessa:
Lula - 0%. Sem chance; quiçá no eventual segundo-turno; quiçá.
Heloísa Helena - 0%. Era a segunda opção, quase fui com ela.
Cristovam Buarque - 100%.
Geraldo Alckimin - 0%.
Entrevistados: um.
Desregras
Parece menos pior, ou mais justo, deixar à sorte o egoísmo inerente às pessoas do que o egoísmo criado em laboratório e disseminado de maneiras silenciosas a berrantes. É verdade que alguns mecanismos já existem nesse sentido - temos o voto confidencial, pra citar o exemplo mais sedimentado, temos o boca-de-urna proibido, para citar o que é sempre notícia nos jornais. Mas quantas alterações seriam bem-vindas! Quantas são urgentes! O aperfeiçoamento do jogo eleitoral é medida não tratada nos nossos plenários. Não à toa, temos visto não outra coisa senão o abuso do poder, a impunidade, o apadrinhamento, a infidelidade partidária e o descaramento dos políticos.
Os eleitores viram peças fáceis em um jogo de regras insuficientes. A esfera política afasta-se da sociedade enquanto dá a falsa aparência de que tem o povo o poder de julgar os fatos que a perfazem. Falsa aparência! São tão somente os ditos representantes do próprio jogo político que fazem seu julgamento - o problema é que são, naturalmente, muito tolerantes consigo mesmos. Óbvio que, com esse sistema desregrado, tudo caminha para massa, molho de tomate, queijo, orégano e outros ingredientes menos comestíveis.
quinta-feira, setembro 28, 2006
Preso Espelho
Tento teu beijo forçando teus olhos a me namorar
Encanto um motivo, um motivo de rima.
Caio no espelho, fico preso
Tonto teus olhos me chamam para nadar
Olhando-me sorriso, sonhado.
Não, não conheço o caminho
Ali me fico, ali me farto
Tanto teso quanto gozo
Tanto gozo como gozas.
Prende, passas e retinas
Torto, trago à tona um suspiro
Sustentando notas sem rosto
Eu, tinta mancha no teu quarto.
Minicontos
Escureceu a manhã, da nuvem de tempestade. Tudo escuro, feio, que medo. Com poucas palavras, meu amor, soprou tudo para longe, fez-se novamente o dia.
Noite tarde, estrada pela frente. O caminho ficou curto com tua atenção. Baixo a guarda e quase que o carro desgoverna estrada afora.
De Dedo em Riste
Desempregado e desgraçado na cidadezinha, não tinha mais nada a perder. E não teve dúvidas, olhou para o homem e disse:- Ôoo sêo prefeito, o senhô vá tomar bem no meio do seu cú!
Escapou
Era muito cedo para pedir desculpas. Ainda podia defender-se que nem homem, mentindo.
quarta-feira, setembro 27, 2006
Noutro 27 de 9
Culpado. Por algum motivo, culpado. Bem sei eu que esta pena em minhas mãos é que escreverá a seqüência dessa história. estive mostrando minha face sombria, como um planeta dentro da noite. sabotagem foi a grande cratera que cavei no solo pedregoso. Engulo esse amargo vazio enquanto teço meu plano de busca. se o construísse organizadamente deveria começar por uma investigação. Minha doçura parece estar transparentemente diluída. Todavia ainda a sinto. Naufraguei-me e tenho que procurar o colete em noite de lua nova.
terça-feira, setembro 26, 2006
Singela homenagem de um admirador
(predicado nominal)
diria até que secreta a verdade
não fosse o internacional
sujeito luis
substantivo de um camões
da flor última do Lácio
pétalas de faz-me-rir
verbo fernando
(mas bem intencionado)
humor sutil soprando
de um sax afinado
não qualquer adjetivo:
é de respeito
o predicativo
do sujeito
posto merecido
(issimo de elevado)
Verissimo,
Verissimo, abençoado!
*completa setenta anos hoje.
Mário Quintana
"Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro."
segunda-feira, setembro 25, 2006
Tardinha de primavera
sexta-feira, setembro 22, 2006
Num Baile
Pois foi quando chegou um palavrão com seu bando. Palavras de baixo calão, sem dúvidas. Coisa triste, colocaram um ponto final em tudo.
Dança das Palavras
quinta-feira, setembro 21, 2006
Socialismo
terça-feira, setembro 19, 2006
segunda-feira, setembro 18, 2006
Guimarães Rosa - Sagarana - Minha Gente
-Pergunte, Maria irma.
-Não. Não sou curiosa.
-Então, eu sei o que é...
-Então?
-É a respeito... Bem, é sobre... Você quer saber se eu deixei algum amor, a esperar por mim?
-Se deixou, ou não, não me interessa...
-Então, por que você quis perguntar, prima?
-E por que foi que você adivinhou a pergunta, primo?
Me conta como foi
Não
Quero saber se sim
Não
Quero saber se
Não
Se não
pensas que vai ser igual
Não
se güentas em guardar só prá ti
Só
senão é melhor do que
sim
é melhor do que
não
Não
Faz a conta do que tá prá vir
Não
Alimenta o monstro em mim
Não
Aproveita que eu me perdi
Sim
Tô muito por ti
Se não
faço muito por nós
Por fim
Só me resta entender
Que não
Disseste que sim
talvez
melhor esquecer
sábado, setembro 16, 2006
Maré subiu
Perdi o medo e deixei me levar
Prá onde, diabos?
Prum samba?
Pro fundo.
Não tem questão,
pode sair, pode ficar
eu vou até aí.
Num fim, final
num pouco, um canto
prá ela, um beijo
pro fim da rima.
Afogo, e dou risada.
Oceano em volta, tu
Ar não mais
Pulmão encharca de ti.
sexta-feira, setembro 15, 2006
La Omissión de la Familia Coleman
onde vocês estão
sinto falta disso como era
mas agora é omissão
homens são de primavera
o resto é invenção
alguém quer passar frio
eu não
não sendo eu que me importa
se escalo nas tuas costas
e desfaço nossos laços
onde está você
onde vocês estão
sinto falta disso
como um dia ousara ser
mas não tem mais isso não
eu omisso
talvez seja até vício
mas aqui não tem irmão
fomos todos concebidos
não seremos redimidos
encontrando por que mão
eu que digo pronde vou
e se te quero comigo
e é quase um perigo
dividir contigo um pão
sou mais eu, sou mais meu
sai da minha pista
que eu sou mais egoísta
(mas a peça é um primor)
Quiçá sejamos peixes
a escorrer do céu
dos sonhos que se derramam pelo mundo
me busca num pedaço de papel
e me escreve de água
a tinta deste outro que não sou
escapa da verdade que me luz
e a transparência que me mar
me veste d'alma viva que ficou
e me cobre de água
eu corro, eu corro, eu corro pra buscar
e gota atrás de outra traz a força
que me corre desta apatia
que me morre nesta ilusão
e me impele àgua
ah chuva, me acha, vai
que eu corro pro tempo vir
aquele tempo de existir
que me molha de mim
ah chuva, me olha, vem
que eu tô pra achar o meu bem
e a vida há de secar
bem longe daqui
quinta-feira, setembro 14, 2006
Macaquinhos no sótão
Bubbles are cool
. : FêCris : . we've been living life inside a bubble diz:
yes!!!
. : FêCris : . we've been living life inside a bubble diz:
very very
. : FêCris : . we've been living life inside a bubble diz:
mas podem não ser também...as pessoas todas lá, te olhando...
Felipe Maciel diz:
A minha bolha é opaca
. : FêCris : . we've been living life inside a bubble diz:
haahaha mas daí tu vê o teu próprio reflexo dentro
Felipe Maciel diz:
Isto não é problema... o pior é que os pequenos macacos que vivem dentro da minha cabeça são paranóicos e odeiam bolhas
. : FêCris : . we've been living life inside a bubble diz:
bah.... acho que o problema daí não é eles odiarem e sim eles existirem!
Felipe Maciel diz:
Sim! E eles berram
Felipe Maciel diz:
Não é muito bom prá trabalhar...
. : FêCris : . we've been living life inside a bubble diz:
nem pra dormir, imagino...
Felipe Maciel diz:
Não tem problema. Temos horários parecidos...
Felipe Maciel diz:
Eu tive que me adaptar
quarta-feira, setembro 13, 2006
Love, don't go!
mas amar não vai, assim,
do nada, mais
vem o doce
traz bem aqui
na ponta pra mim
não engole
o amor não se toma de gole
amargou, deixa pra trás
quase esqueci
mas amar não é de se esquecer
(isso é pro resto)
o amor esquecido é indigesto
Breathe - Pink Floyd
Intro:
Em A A4
C Bm F7M G D7(#9) D7(b9)
Em A A4 A
Breathe, breathe in the air
Em A A4 A
Don’t be afraid to care
Em A A4 A
Leave but don’t leave me
Em A A4 A
Look around and choose your own ground
C
For long you live and high you fly
Bm
And smiles you’ll give and tears you’ll cry
F7M
And all you touch and all you see
G D7(#9) D7(b9)
Is all your life will ever be
Em A A4 A
Run, run rabbit run
Em A A4 A
Dig that hole, forget the sun,
Em A A4 A
And when at last the work is done
Em A A4 A
Don’t sit down it’s time to start another one
C
For long you live and high you fly
Bm
But only if you ride the tide
F7M
And balanced on the biggest wave
G D7(#9) D7(b9) Em
You race toward an early grave
Mar do Silêncio
Nalma duns bate estrondo,
estrondo de mar.
É aguada caindo,
que parar não pode.
E divide por metades,
por seu lado cada uma vai.
Doutros pára,
fica na quietude.
É chuvisco sereno,
sem tempana amostra.
E divide por metades,
que vão sem anunciar.
fluxos,
cada
qual
por
si.
E
quem sabe?
lá na frente,
tropicando,
bate mar, bate paz,
fica tudo misturado...
segunda-feira, setembro 11, 2006
Nem queiram saber
Fumaça e fogo nos céus da serra, ou do vale. Ou me engano em escolher qual história quero fazer parte. Isso não se escolhe, se vive, mas sou teimoso o suficiente para querer escolher a minha. Subir ao topo é fácil, difícil é querer ficar lá. Bom, desisto.
Mas, se aconteceu,
fazer o quê?
Melhor falar,
e depois,
deixar acontecer.
Mesmo porque
engolir é pior
deixar mal resolvido...
Teorias existem
para serem refutadas
por novas evidências
Que nem imaginávamos
Doido, doído
medo sem lugar
Porque é bom
Porque não sabe onde colocar.
Assusta sim,
também não sei
Só sei que está
dentro de mim.
das vidas
é um caminho pro norte
e um pouquinho de me dá a mão
é quase desprovida de sorte
e comumente invadida por paixão
a vida voa, até se pilota
pede que numa língua sejas poliglota
a vida é brisa, avisa até
pede numa boa não sejas um qualquer
a vida é um resquício de morte, um resquício de não
uma força que não chega a ser forte
que não chega a ter sempre razão
a vida passa, até devagar
estremece quando acorda de um cochilo
e depois corre como pra recuperar
a vida é por isso desordem
é até furacão
a vida é daqueles mordem
para além da refeição
é para além
(como disse frederico)
do bem e do mal
é lugar paradisíaco
e ao mesmo tempo infernal
a vida é o homem só
e o que há de Deus em si
o resquício, o pó
e o vestígio de uma alma
que, calma, sorri
das mortes
tudo antes de morrer
que vida eu teria?
só de fato seria...
sério, é de morrer
é de correr pro cemitério
uma vida feita assim
sem mistério
se eu fosse ter que dizer
tudo depois de aprender
a falar
eu teria meia vida a haver
meia a reclamar
partir da morte do nascer
como a sombra d'arte
que sustenta o viver
se eu fosse ter
na vida
tudo que houvesse pra ter
teria devida a vida não ida
a vida de graça, a de ser
a de não ser suicida
a saber
domingo, setembro 10, 2006
o passo,
mas ainda buscando a direção correta.
Previsto apenas
uma risada que fica quieta,
por dentro,
não externa.
Senta com calma,
seguro,
mas só na casca,
e começa de novo.
Volta um pouquinho,
prá não se perder.
Quero resolver logo,
prá logo começar.
Num momento desses,
fica até chato duvidar.
Antes disso, duvidam de mim,
mas mostro logo as garras.
Num bestiário de idéias,
todas tímidas,
vindo em pequenas doses,
sendo soltas quando ninguém presta atenção,
volto aos poucos prá retomar a rotina.
Incerto
é
que nem sempre vem na hora
certa.
Não
é quando eu quero,
mas
é quando eu posso.
sexta-feira, setembro 08, 2006
O cortador
*Le Couperet, "o cortador", foi traduzido aqui para O Corte.
quarta-feira, setembro 06, 2006
terça-feira, setembro 05, 2006
A Economia da Mentira
segunda-feira, setembro 04, 2006
sexta-feira, setembro 01, 2006
quinta-feira, agosto 31, 2006
samba de voltar
Que a gente não esquece
Ah! Se a gente soubesse
Que a gente não esquece
Depois que acabou é que a gente lembra
Depois que acabou é que a gente lembra
foi-se o tempo e eu não vi
que era muito de vagar
era muito de deixar
o tempo gabar-se de si
foi-se-me o dom de ir
donde fosse meu esmero
perdi a razão de existir
pondo a história no cemitério
Ah! Se a gente soubesse
Que a gente não esquece
Ah! Se a gente soubesse
Que a gente não esquece
Depois que acabou é que a gente lembra
Depois que acabou é que a gente lembra
queria ter não tem mais
queria ser mas já não foi
o que era somente é saudade
e não tem um só remédio
que me desconte idade
me retire desse tédio
como era antigamente
tudo assim tão diferente
mais parece só agora
que quase sinto o cheiro
de antes do triste embora
desse tempo de primeiro
Ah! Se a gente soubesse
Que a gente não esquece
Ah! Se a gente soubesse
Que a gente não esquece
Depois que acabou é que a gente lembra
Depois que acabou é que a gente lembra
Se a vida soubesse
que a gente não esquece
faria um relógio gigante
de ponteiros-estandarte
que despertasse no instante
de um momento-eternidade
Ah! Se a gente soubesse
Que a gente não esquece
Ah! Se a gente soubesse
Que a gente não esquece
Depois que acabou é que a gente lembra
Depois que acabou é que a gente lembra
quarta-feira, agosto 30, 2006
Ilustrando
Uma noite de pouco sono. Excitação, novidade, ignorância. Na manhã, o desembarque. Caminhar para conhecer. Força e perseverança na andança não planejada. O ar morno do paradouro nos recebeu, mas a curiosidade que a cidade nos proporcionava venceu. E voltamos ao vento.
Num país de carnívoros, fogo por todos os lados, pirotecnia gaudéria encarregando-se de aguçar nosso apetite. A saciedade do corpo não é a da alma. Imagens sendo aprisionadas com avidez e outras fomes, de outras carnes, nos levando para frente.
Novas amizades, por certo efêmeras, mas nem por isto não aproveitadas colocam-se. Novidades, curiosidades do que se conhece apenas pelas percepções de outros. Por fim, o cansaço vence.
Num outro dia, mais amizades, estas prometendo instalar-se, trazem novos ares, novas caras, novas idéias e um novo rumo. Andanças, mais carne, mais álcool. Frio, escuro, encontros, desencontros. Saudosismo do que não se viveu. Hasta mañana.
Consumir, consumar. Andar, conhecer, voltar e beber. As chamas que nunca apagam-se chamam para com elas ficar. Mas nem por isso ficamos. Teimosos, não querendo dar ao tempo um minuto de nosso tempo, preferimos a insônia voluntária. Boas supresas saxônicas. Frio, estupidez, uma triste mas justificada imagem do Brasil. Fome, desejo, repulsa, Led Zeppelin, satisfação, cama.
Tarefas e trabalho. O sentimento de dever e de perseverança é capaz de atiçar o mais relutante fogo. Teimosia reconhecida e diversão. Risos em tantos idiomas. Sexo, carros, frutas, cabras. Sorrisos lindos que não compreenderam que poderiam ser mais felizes em companhia de outros sorrisos. La noche. A escócia porteña. Culturas tão diferentes, desejos tão desencontrados. Impotência, libido desarmada pela inocência. Separação, solidão. O cansaço vence. Será?
No clima de despedida, o sol brinda com a possibilidade de mais sorrisos. Sorrisos que deixam saudade, pois sabe-se que nunca mais serão vistos novamente, a não ser que o destino, que todos sabemos não existir, queira pregar uma peça boa. Estafa e a sensação do que ainda está por vir.
Melancolia tão portenha e tão guaíba. Uma noite separa duas cidades capitais. Gaúchos as descobrem tão semelhantes.