- Grovska, disse ao acordar. Não fez caso, mas, dada a circunstância, nem era mesmo de se fazer. Tinha dias em que punha as meias do avesso, outros em que escovava os dentes com a escova de Bruna, uns em que simplesmente desligava o despertador achando, talvez, tratar-se de um mosquito desses que ousam incomodar uma boa noite de sono. Ou seja, acostumara-se a vestir a consciência somente depois de bem ter dado o nó na gravata, último movimento antes de pegar as chaves e sair de casa. Quem sabe fosse a senha de seu despertar o barulhinho das chaves entrechocando-se como se revelassem seus sonhos com urgência, antes que eles evaporassem feito água.
Esquentou água pro café pensando, exatamente, em que haveria sonhado. Acordara com uma sensação estranha, que de estranha passou a inexplicável quando olhou pro relógio e, incrédulo, constatou que pela primeira vez no ano havia se antecipado à hora de levantar, que no seu caso era sete e trinta. Que coisa. O microondas apitou. Conseguiu capturar imagens e sensações menos escorregadias: bonecas, país estrangeiro, pressa. Enrugou a testa. Do quarto veio soar o despertador. Sete e trinta informava a voz doce de sua namorada, e cada vez menos doce alertava, até vir o berro histérico e chato numa voz quase masculina, muito da maleducada. Foi desligar. O microondas voltou a apitar. O dia prometia e a promessa era nada agradável. Grovska. Grovska? Enrugou a testa. Estranho. Admitiu que ainda sonambulava. Tomou um gole do café. Esquecera do açúcar. Voltou a pensar nas bonecas. Não eram de pano, soube que sabia naquele instante. Eram duras, talvez frias, pintadas. E com pressa. As bonecas é que tinham pressa. Não só elas, ele também, todos. Talvez os perseguissem. Tinha uma ponte. Tomou mais um gole, balançou a cabeça, foi pôr açúcar. Três colheres de chá. Atravessavam a ponte, talvez fugissem do país estrangeiro, ou para ele. Desconhecia aqueles homens, por que o perseguiam? E, que diabos, bonecas?! Pela primeira vez no dia sorriu. Pensou na namorada, ela sorria na foto sobre a mesa, virou-se para contemplá-la. A essa hora estaria em algum daqueles cafés de Roma, ela adorava café. Eles. Tomou o último gole. Heitor veio esfregar-se em suas pernas. Era o gato. Querendo comer, certamente, e com muita razão. Miou. Gostou de ouvir algum som afetuoso. Acariciou os pêlos de Heitor. Macios. Heitor parecia gostar, presumia-se um sorriso. Pensou na namorada novamente, desta vez teve a sensação de senti-la. Macia. Heitor miava agora repetidamente. Será que quer comer? Foi ver se achava aquela ração, mas não lembrou onde Bruna dissera que guardava. Teve uma idéia fabulosa: pegou um pires, pôs leite. Heitor enrugou a testa. Por um breve instante ambos miraram o leite. E slept, slept, slept, soou a pequena língua de Heitor esvaziando o pires com sua pequena língua. Esvaziou. Ficou olhando pro gato, o gato pra ele. Definitivamente Heitor não estava satisfeito. Lembrou que ontem não havia lhe dado nada do que comer, ou... beber. Talvez nem anteontem, será? Foi buscar no armário um prato de sopa.
Foi quando contemplava com interesse e espanto a cena do alvo Heitor de bigodes leitosos dando conta do segundo prato fundo que tocou o telefone. Absorto, apercebeu-se só no sétimo toque, quando o gato deu-se por satisfeito aparentemente. Foi atender.
Grovska?
Heitor enrugou a testa.
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Um comentário:
Grovska?!
Quando tocou o telefone, pensei que o Heitor fosse atender. Não deixa de ser uma possibilidade interessante, ainda que eu não saiba o que tens em mente.
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