quarta-feira, outubro 04, 2006

Olhos nos Olhos

Independente do que sentia, não podia continuar com aquilo. Sabia que seria difícil, mas logo logo passaria. Sempre passa.
Vítor saiu de casa com a cabeça feita. Já tinha uma boa desculpa e preferia fazer direto, sem rodeios. Machucar de uma única vez, que nem injeção. A enfermeira chamava sua atenção para uma ilusão ou um brinquedo, qualquer coisa. Quando se dava por conta, já tinha sofrido a vacina, tudo acabara, só restava um fundo gelado de picada, que logo desaparecia. Faria assim, melhor prá todos.
Ele amava Roberta, e isto não podia negar. Passaram bons momentos juntos, davam-se bem. Tinham gostos parecidos, não tinham problemas para ir ao cinema ou escutar música, eram prazerosos seus diálogos. Mas, ela era fresca. Era isso, e ele não admitia tal coisa. Churrasco, tinha que levar picanha e queijinho, no qual os amigos, não só por gula, mas por implicância justificada, atracavam-se sem pudores. Não acampava e peixe tinha que ser com grife: linguado ou salmão. Se fosse seu amigo, certamente seria implacável na arriação.
Ao entrar no carro, sentiu-se mal. Era medo. Igual a quando correu do cachorro do seu Anselmo, com todos torcendo por ele do outro lado do portão, ou quando deu-se conta de que o pai não ficaria mais curado, que era somente uma questão de tempo. Os membros não respondem, o estômago embrulha, o suor é frio. Calmou, pensou novamente e lembrou de todos os argumentos que já tinha usado para se convencer. Girou a chave e seguiu seu caminho. Trocar o Cd. Led Zeppelin não combina com seu momento. The Cure. Filho da puta apressado, não pode esperar? Não era isso que queria pro momento, não essa melancolia. Precisa de outra. Que que será que quer? Stones não, definitivamente. Chico! Era isso, perfeito para todas as ocasiões onde há mulher na jogada. Puta, tá amarelo, vou ou paro? Caralho! Travou
...

Dor, arde, puta que o pariu, ahhhhhh, merda, que que é isso? Tá louco? Embrulho no estômago. Vontade de vomitar. Doi, muito frio.

...

Não andar? Melhor morrer? Puta merda meu. Um segundo e isso? É assim? Cadeira de rodas, depender dos outros. Vai ser assim? Paraplégico. Caralho de som do carro. Custava prestar atenção, merda. Foder, nunca mais?! Puta que o pariu. Ninguém mais vai me querer. Vou ficar sozinho pro resto da minha vida. Acabou a minha vida. A Roberta, será que ela vai continuar comigo?

Um comentário:

Arbº disse...

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