quinta-feira, novembro 23, 2006

Redenção

Um para cada lado foi como seguiram depois da despedida. Roberto foi enfático, mas não queria aquilo. Foi um blefe. Achou que quando Vanessa sentisse que realmente teria coragem de terminar com tudo, tomaria tento da realidade e desistiria daquela idéia idiota de separação.


Passara duas semanas de cão. Demorou para entender o que Vanessa queria. Começou reclamando de qualquer erro dele, coisas que sempre fez agora eram motivo de reprovação imediata. O pessoal do trabalho já estava comentando. Comia pouco, não falava, estavam estranhando seu mau humor. Mas bem que a Doutora Fernanda e a estagiária dela entenderam direitinho o que estava acontecendo e já botavam as asinhas de fora. Olhavam-no como duas raposas caçando: olhares vorazes. Roberto não se preocupou com isto. Não naquelas semanas em que aquilo que via crescer desmoronava. Quando ele finalmente resolveu questionar como ela agia de maneira estranha, Vanessa desconversou – Ai, não é nada. Que mania de sempre achar que é alguma coisa. Só tô cansada, trabalhei prá caralho hoje – mas estava estranha. Estava estranha, mas desconversava, e foi o que lhe deu forças para blefar no momento fatídico.

Tá acontecendo ou não? Coisa estranha, absurda, sem importância, cretina. E o telefone não toca. Não toca e não adianta ficar olhando para ele. Bobagem. Primeiro, é como o mundo caindo, depois, como se tudo fosse se resolver num estalo, num clique. Será? Puta merda, parece que esperou eu me convencer, isso não se faz. Gosto porque não tenho? Mas tenho ainda. Não sei. Preciso descobrir a palavra mágica, sei que existe. Vou dizer e tudo vai voltar ao normal, ninguém vai mais tocar no assunto, vai me abraçar, me beijar, e vamos sorrir. Que que eu fiz, porra? Que merda será que eu fiz? Ou não fiz. Alguém fez... caralho, puta que pariu, isso não. Que merda. Vou pressionar. Mas não vou ligar. Vou esperar, deixar. Não vai se agüentar e vai me ligar. Ou mandar mensagem. Aí sim, aí vai ver, vou tirar isso a limpo.

A ligação não fora esclarecedora. Ela não confessou nada, pelo contrário. Negou e disse que nunca o trairia, que o amava. Aquilo deixou Roberto mais puto do que nunca. Como assim amava, caralho? Quem ama gosta, quer estar junto, quer conversar, tocar. Ela comportava-se de maneira diametralmente oposta. Como ele sentia sinceridade no seu tom de voz, a única conclusão lógica a que podia chegar é de que era um trouxa muito fácil de ser enganado. Quantas vezes já teria sido crédulo desta maneira? Todos os fatos apontando para um lado, mas uma explicação combinada de uma voz arrependida o levavam a acreditar no absurdo. Despediram-se e foi dormir bravo com sua estupidez.

“E aí, que que deu?” foi a primeira coisa que Vinícius lhe perguntou pela manhã, no cafezinho. O seu, grande e amargo, o dele, doce. Tomavam o primeiro ali, ao lado da cafeteira e levavam o próximo para suas mesas. Não deu nada, conversamos durante um bom tempo, mas ainda não sei o que que houve direito. Ela tá confusa. “Toma uma atitude então, rapá. Diz pra ela que ou dá ou desce. Ou vai prum puteiro curtir a fossa, hahaha. Pode não resolver o teu problema, mas pelo menos tu comeu alguém.”
Não é preciso dizer que a conversa não ajudou e que o trabalho não rendeu como deveria mais uma vez. Pelo menos estava emagrecendo. Sentia o vazio no estômago cada vez que pensava na vida de solteiro. Aquilo dava medo. Será que conseguiria sobreviver naquele mundo novo? Teria que conhecer gente, refazer agenda, uma sucessão de primeiros encontros, mesmos papos, mesmos fins de semana naqueles lugares com aquele monte de gente otária. Voltaria a ser um deles, mais uma vez. Não queria, mas Vanessa que colocou nas mãos dele. Estava decidido.

Roberto blefou. Foi ele quem disse, com todas as letras, que tinha acabado. Não era palhaço para ficar passando por aquilo. Não era palhaço, mas deu alguns passos e virou-se, esperando o arrependimento. Vanessa continuou caminhando, não titubeou. Ele ficou assistindo ela chegar ao chafariz antes de desistir e continuar caminhando na direção oposta. Ela era bonita e não teria dificuldades de achar um novo namorado. Ele sabia que ela gostava dele e que não acharia fácil a separação. Mas tremeu quando ela não virou para a última olhada. Já não tinha tanta certeza de que ela voltaria para seus braços.

Vanessa agüentou firme até o carro. Entrou, colocou a chave na ignição e desabou em choro. Não sabia se era aquilo que queria, nem se não era. Não queria nenhuma alternativa possível. Só gostou de ele ter dito, nunca teria feito sozinha.

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