terça-feira, dezembro 12, 2006

Israel acordou e não reconheceu o quarto. Não era um quarto da zona habitacional. Nem era como os da escola, que tinham beliches e grandes janelas. Este tinha cortinas, suas paredes eram pintadas, era bem bonito e grande. Sua cama era a única ali. Ainda assim, era bem maior que o quarto de sua casa, onde dormiam ele e sua irmã. Por falar nela, não estava ali. Nem ela e nem seus pais.
Depois que os libertadores os fizeram descer do carro, a irmã começou a chorar. Um deles, que parecia mais novo do que os outros, mas que era, definitivamente, o chefe, avisou calmamente minha mãe que a criança deveria calar-se, caso contrário, eles o providenciariam. O pai só precisou olhar Samira nos olhos e ela compreendeu e ficou em silêncio. Não trocaram mais nenhuma palavra durante todo o trajeto. Foram conduzidos a algum lugar nos fundos de um furgão, rodaram por horas. Durante todo este tempo, Israel teve medo. Ainda sim, não pode deixar de ficar pensando no primeiro carro que os parou. Nunca tinha visto um daqueles. Chegou muito rápido, parecia rápido até quando parado. E ele ficara extasiado com aquilo. A esses pensamentos, de curiosidade e fascinação infantil, juntavam-se pensamentos de que aquela estrela lhe disse alguma coisa. Voaria, não tinha dúvidas. Olhou para seu pai com saudades. Sabia que tudo aquilo era por causa dele, provavelmente nunca mais o veria. Esperaram todos sentados no banco de uma grande garagem. O pai parecia resignado e sua mãe tinha os olhos vermelhos. Chorara baixinho na traseira do furgão. A irmã estava grudada no colo da mãe e parecia em choque. Desde que o pai a repreendera com os olhos, não abriu mais a boca. Quanto tempo ali ficaram, não saberia dizer. Provavelmente, dormiu no banco da garagem e dali fora levado para o quarto.
Lembrava de ser dono de um urso, um urso dourado. Os fragmentos do sonho ainda eram vivos na sua memória. O urso tinha os olhos tristes e brincava com miniaturas de soldados no pátio. Pequenos soldados de plástico moldado, inanimados, como os que vira no museu de Santa Maria, anos atrás. O amigo urso dispôs os bonecos simulando uma batalha. Verdes contra amarelos, que tinham armado uma emboscada para os primeiros. O pátio era o mais cumprido que já vira. Ainda assim, o urso não cabia ali, ficava apertado, e seus olhos passaram de tristes e chorosos para dotados de uma raiva sem limites. Israel chamava pelo seu nome, Bóris, pedindo calma. Mas a raiva crescia nos olhos de seu amigo animal e o terror do ataque iminente paralisou seu corpo e sua voz. Não podia gritar por socorro e nem ao menos se afastar o suficiente. Nos olhos da besta, uma boneca esfarrapada e decapitada estava refletida e, em uma das mãos da boneca, o pai chorava de arrependimento.

Um comentário:

Arbº disse...

voltamos ao Israel!
gostei, gostei. tenho é que reler para encaixar melhor as peças. o final ficou um tanto surreal, legal.
fora os aspectos internos e pscológicos das personagens, o negócio é meio de alienígenas, de segredo de Estado, ambos, ou nada está resolvido ainda? hehe