No decorrer dos discursos pela História, muitas palavras ampliaram suas fronteiras para dar conta de tantos novos significados, não necessariamente correlacionados com o original. Não é preciso dizer, mas eu vou, que a mídia contribuiu muito para essa acomodação, segundo seus preceitos nem sempre responsáveis, como sabemos. Da mesma forma contribuiu a classe política. De uma forma geral, é importante dizer, todos nós somos partícipes deste processo, mas é inegável a diferença nos níveis de influência.
Assim, a palavra artista, por exemplo, tem hoje uma gama muito ampla de significados, de maneira que se pode dizer, inclusive, que arranja internamente significados de sentidos diametralmente opostos. De fato, isso pode ser demonstrado tomando-se tal palavra e inferindo a ela um certo sentido. O que ocorre é que tal sentido tanto pode ser utilizado no sentido literal como no que traz consigo a veia da ironia. Ou seja, "A Carla Perez é uma artista" e "A Carla Perez é uma artista".
É verdade que não há limites para a ironia, toda palavra está potencialmente sujeita ao seu gozo, isto é natural. Mas há de se notar a ruína de sua sutileza no discurso atual. De tal modo que não só a palavra banalizou-se como, por contágio, a ironia vulgarizou-se.
Essa total falta de critério contamina a sociedade de maneiras diversas e por todos os lados, através do efeito-dominó, potencializado atualmente por esse clamor de liberdade, que, na prática, permitindo toda e qualquer manifestação, instala um estado de anarquia dos significados. É esta desorganização no estado das idéias expressas que permite que qualquer um (mas não qualquer um - qualquer um com poder o bastante) levante o braço e proclame o significado da verdade. Pior só quando, por artifícios escusos, o proclamador coíbe o questionamento desta verdade.
A sociedade pós-moderna* corre para ocupar todos os espaços, inclusive todos aqueles que o tempo lhe concede. Nessa ânsia desenfreada - nem sempre desmedida - subtrai alguns vazios valorosos, como o silêncio, enquanto alça vazios-de-virtude ao mesmo nível de conceitos com alguma originalidade.
Quase não sobra silêncio e palavra para se pensar.
*embora eu não saiba bem o que é isso
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6 comentários:
Penso que podemos atribuir qualquer significado a qualquer palavra. Basta que definamos antes. Por exemplo: xícara é ato de utilizar os dedos para, através de um teclado, escrever em um equipamento destinado para este fim.
Claro que, para isto, temos que definir muitas outras palavras, como dedos, ato, teclado, escrever, equipamento, ...
Após definida, podemos discutir horas e horas sobre xícara, de acordo com a definição do Felipe. Claro que alguém pode vir dizer que xícara não é isto. Xícara é na verdade um objeto utilizado para acomodar líquidos e dotado de uma alça. Mas isto também precisou ser definido!
De qualquer maneira, e este foi o primeiro pensamento que me veio a cabeça: como surgiram as primeiras palavras? É fácil criar termos e definições a partir de outras palavras já definidas. Mas, de onde surgiu a palavra "verde" por exemplo? Como atribuir nomes e como definir coisas sem outras definições?
Acredito que virá alguma resposta...
creio q entendi o teu ponto.
no que diz respeito mais especificamente ao meu ponto inicial, ele coloca o problema da concepção das palavras, ou seja, a mídia, os políticos ou quem quer que seja, têm justificados seus discursos porque de que outra forma eles haveriam de se expressar? inventando do nada novas palavras?
pois é... isso me fez repensar... talvez o problema já chegue consumado qdo atinge as palavras, isto é, qdo se chama a carla perez de artista (ou toda atriz da globo, mudando de exemplo) o problema está realmente no mundo externo à língua, nessas idéias idiotas q colocam dentro de um mesmo conceito de artista a perez e o chico. Na verdade, talvez isso seja inevitável, não é? Cada um com os seus julgamentos...
a mácula na palavra é fruto de uma mácula anterior, essa sim contendo o vírus original desvirtude.
creio q poderia viajar mais, mas prefiro q me interrompa um pouco... fala aí (estamos dentro do mesmo raciocínio ainda ou me perdi?)
Na verdade, eu não estava tentando falar sobre o teu texto em si. Ocorre que, enquanto lia, me veio a cabeça o tópico da origem das palavras. Na verdade, o que me veio a cabeça foi a origem da linguagem. É fácil para mim diferenciar 2 tons de azul, chamando o mais escuro de azul-marinho, pela sua semelhança com a cor do mar. Peguei 2 palavras prontas e juntei para explicar o que queria.
Mas, e quando não existiam estas palavras? Já existiam diversos tons de azul, mas, se uma pessoa quisesse explicar a outra sobre algo azul-marinho, como procederia? Era esta a discussão que pensei em trazer a tona: como surgiram as linguagens? quais os problemas que enfrentaram seus criadores?
Sei que fugi completamente do teu ponto, mas não foi em desdém a teu texto. Foi porque foi o que me veio a cabeça na hora...
Como eu disse, creio que entendi mesmo o teu ponto, ainda mais agora que tornou-o mais explícito. Acontece que não tenho as tuas respostas, tenho sim as mesmas curiosidades.
Aí tentei desenvolver o meu ponto inicial a partir de alguns insights que o teu comentário me proporcionou.
Não sei se me fiz entender sobre esses tais pontos que eu digo ter tocado...
Fez-se sim. Lendo todos em seqüência, fica mais claro prá mim que estamos sempre falando de assuntos assemelhados, porém, cada um puxa do anterior aquilo que lhe chama a atenção.
Coloquei aquela questão porque imaginei que ela já poderia ter aparecido para ti em alguma aula da FABICO. É uma questão que ocorre ao pessoal da computação, por exemplo, já que eles trabalham basicamente com linguagens.
O Noam Chomski, a quem conheço basicamente como um ativista político, e cujas idéias neste campo me parecem no mínimo idiotas (pois penso que mal intencionado ele não é), é um respeitado teórico da lingüística, e que, creio, já fez algumas contribuições importantes para este tema do surgimento da linguagem.
É, mas o que temos de lingüística lá é muito pouco pra dar conta de tanta coisa que ela estuda... vemos alguns aspectos das origens em lingüística e comunicação, mas isso já faz um bom tempo, primeiro ou segundo semestre. Do que recordo, falou-se do caráter arbitrário das palavras, ou seja, o objeto real não corresponde a nenhuma característica específica da formação gramática do vocábulo. Salvo alguns casos raros, como as onomatopéias, claro.
Mais lingüística só em filosofia da linguagem, mas trata de outros aspectos.
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