Ah, os acordes da realidade! Emudecem uns ao outros - o turbulento silêncio que, proclamando a ditadura da liberdade, torna-nos surdos à verdade.
A cena agora é a de um comício, que dará origem a uma passeata. O recado final, dado por um dos homens do palanque, não poderia ser outro. Ouvem todos o que querem ouvir, a liberdade aos gritos, e saem apressados a correr o mundo - a catequizar os leigos. Um dos homens corre à sua vila e proclama - "estamos todos livres!", e o povo passa rapidamente de desconfiado para igualmente extasiado - "livres!". Que bênção! O grande dia! Visitam-se as portas de todas as casas. A família que estava reunida em volta da tv até esquece da novela por um instante. Pareciam eles mesmos estarem dentro de uma, coisa estranha, até então sua memória dava conta de uma liberdade comunicada à margem de um longínquo rio, ao sol de um longínquo tempo, por um homem em seu cavalo empunhando sua espada, como mostrava uma figura num livro de história do colégio. O caçula abre a boca e profere sua primeira palavra em língua portuguesa, com uma voz fresca porque nova, doce porque ingênua - "liberdade", e arranca a cabeça da boneca da irmãzinha.
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