quinta-feira, agosto 17, 2006

Desliga a tv com a imagem, estranhamente dolorosa, da boneca pisoteada fixa em suas retinas, e permanece imóvel. Lembranças de uma revolução. A tão falada revolução que não viveu e sobre a qual seus pais parecem ter feito um pacto de silêncio. Talvez por isso não estivessem agora naquela sala. Uma revolução inventada, a vergonha de uma geração.

Ele nunca tivera bonecas, nem mesmo irmãs que as tivessem, e, se fosse bem sincero à sua memória, notaria uma escassa infância que ainda mal desfrutou. Carrinhos e bolas lhe escapavam. Talvez por isso a boneca decepada lhe atingira o peito como um assombro que vem e rouba o ar e suspende o corpo - foi por uma mistura de aflição e fascínio, num reflexo, que apertou o off.

Na tv ainda se viam desenhados, na parte inferior direita, os contornos de um corpo genérico, mas sem uma generalidade básica, ausência esta que lhe dava calafrios. Sentiu-se inseguro e desamparado. E ainda mais devido à sua imobilidade irreversível.

Uma eternidade se passou até que alguém entrou na sala.

2 comentários:

Anônimo disse...

É incrível como um gancho pode abrir um leque infinito de opções, dependendo de quem conta a história.

Arbº disse...

é sim.
mas também ocorre o avesso - por exemplo, o último do Felipe (antes dos parênteses, e não estes parênteses), foi muito na linha do que eu havia pensado.