terça-feira, agosto 22, 2006

Está ficando muito tarde - pensou, quando deu-se por si. Caminhou de volta à casa. No trajeto, deteve-se, como de costume, um breve tempo na pracinha longe dois quarteirões de sua casa.

O orvalho escorria silencioso pela gangorra. O balanço movia-se levemente, mas não a ponto de se fazer ouvir. Chegou ao centro da pracinha e tomou assento no gira-gira. Depois, ainda que este estivesse úmido, deitou-se, com o corpo pequeno que facilmente se adaptou à forma circular do brinquedo. Com a ponta do pé esquerdo fez força para conseguir embalo, e começou a girar com velocidade cada vez maior, até não precisar mais dar impulso. Sua visão era a de um céu em espiral, as estrelas fundindo-se e se separando como se fossem cometas cruzando-se. O negro profundo do espaço ganhava ares de mistério, como o interior impenetrável de uma caverna. Agarrou-se com mais firmeza ao metal, tinha a sensação de que poderia perder-se pra sempre caso voasse dali e fosse engolido pela escuridão. Fechou os olhos, dentro de si ainda era quente.

O gira-gira foi perendo velocidade, parou. Abriu os olhos, o céu sobre si ainda girava, confuso. Com esforço levantou-se. Andou alguns passos até sentir novamente o frio da noite, sua única companhia ali. Dirigiu-se à gangorra. Abaixou a ponta que estava no alto - estava mais seca - e se sentou, primeiro mantendo-a equilibrada através das pernas, depois, baixando aos poucos, até fazer chegar ao chão. Pôs-se a mirar a ponta oposta, agora em situação diversa, no ponto alto. Por um momento, quis que alguém estivesse ali com ele - nem que fosse o Rafael -, só para sentir-se mais longe do chão, no ar, como a estrela que brilhava em linha reta com a ponta oposta. Um peso para a leveza. Sempre sonhara em voar...

A umidade veio concentrar-se em sua direção. Pensou na força da gravidade, tão constante e silenciosa. A professora havia explicado com uma maçã. A mesma maçã sobre a qual falara a tia da catequese, pra falar de pecado, mas isto ele não havia entendido bem. A gravidade sim.

Levantou-se. Já estava se molhando demais.

3 comentários:

Anônimo disse...

Outra coisa interessante: cada um lê a história de um jeito. Nunca esqueci da cena no início do filme "História sem fim", quando o velho da livraria dizer pro menino que cada vez q se lê um livro a história é diferente.
Quando eu li o capítulo anterior imaginei a cena em um quarto, aqueles minutos antes de dormir quando o pensamento viaja... Mas agora, com essa continuação, tive q refazer o cenário.

Felipe disse...

Eu também Letícia, hehehe

Arbº disse...

é, eu percebi isso qdo a lê falou hehehe
tenho q admitir que no começo dessa história fiquei meio assim, pô tu não entendeu Felipe hehe, mas depois fui vendo q o legal era isso, q ao mesmo tempo é inevitável... to gostando mais