terça-feira, agosto 29, 2006

Sua primeira providência era tirar todos dali. Não queria sua família envolvida, eles não precisavam saber de nada... seria melhor para todo mundo. Ela não tinha o direito. Diabos, tinha sim, e ele esperava por aquele dia, sabia que chegaria.
Apesar da raiva e do medo que tomavam conta, a sutileza com que foi feito lhe dava um conforto estranho. Uma lembrança boa de Flávia. Todo o tempo que passaram juntos, não foi só sexo, e também não foi uma simples amizade, um simples namoro. Tinham um duelo permanente, estavam sempre desafiando um ao outro, sem nunca deixar isto claro. Eram desafios intelectuais ou morais cuja principal característica era exatamente que cada um se esmerava para que a afronta não fosse claramente percebida. Era um jogo de dissimulações, mas era antes uma disputa de egos. Quem tinha o senso de humor mais requintado, tão requintado que ninguém mais poderia perceber que ali havia humor. Admirava Flávia e sabia que era recíproco.
Precisava deixá-los em lugar seguro, iriam atrás dele com certeza, o que significava separação. Da esposa não tinha grandes problemas. Gostava dela, era uma boa pessoa e tinha consciência de que ela o amava. Mas separar-se dos pequenos seria um martírio. Notava em Israel as mesmas inquietações que sentia quando era um guri. Pensativo mas ao mesmo tempo dissimulado, ele não fazia perguntas. Não externava perguntas, bem entendido, aquele olhar vazio não enganava. Sozinho, era bem capaz de acabar como o pai.

Ao mesmo tempo, Israel sentia os olhos da coruja cada vez mais perto. A testa do pai estava suada, e ele preferiu ficar quieto. O pai não respondeu para onde iam. Não perguntou duas vezes, tinha aprendido que era melhor fingir que estava tudo bem. Ninguém gostava de fuxiqueiros. Ele não, pelo menos.

Estava enferrujado, não estava mais acostumado a estas fugas. A última tinha sido sua grande peça em Flávia. Claro que tinha todo o contexto da libertação, as cartas e tudo mais. Mas sabia que ela não deixaria barato, pregaria uma muito maior.

O primeiro carro cortou a frente deles. O segundo chegou logo em seguida, ninguém viu de onde surgiu. Saíram três homens com uniformes dos libertadores de cada um deles...


4 comentários:

Anônimo disse...

Me sinto lendo George Orwell, 1984...

Arbº disse...

vou ter que mastigar bem isso! libertadores?! let's think about...

Felipe disse...

Era prá ter virado 1984 um tanto antes, mas o Rômulo foi por um caminho diverso do que eu tinha imaginado!

Arbº disse...

sorry!
eu não li 1984.
é que estou mais com minha última leitura, a insustentável leveza do ser, na cabeça...