"Os pilares filosóficos da sociedade aberta" é o fértil e abrangente tema sobre o qual hoje discorreu (e amanhã discorrerá), na Faculdade de Economia da UFRGS, o doutor em Filosofia e professor da UFRJ, Alberto Oliva.
E hoje lá estava eu, presente. De forma muito didática, Oliva caminhou por muitos terrenos na construção de um painel elucidativo sobre a organização da sociedade, indo da economia à epistemologia, passando pela política e questões de cunho propriamente filosófico. Tudo de uma forma muito interessante, que fique registrado.
Definiu, primeiramente, "sociedade aberta" como um conceito fruto de uma visão da sociedade como de um processo, em permanente movimento, no sentido da superação dos seus problemas e aperfeiçoamento ou correção de suas propostas de solução. Citou a expressão "destruição criativa" do economista austríaco Joseph Schumpeter, falando da roda que viu, no seu progresso, a multiplicação dos automóveis em crescente substituição às carroças, cada vez mais raras.
A partir daí, fez uma verdadeira viagem, no melhor sentido, visitando diversos autores conforme as idéias fluiam, sempre dentro de um discurso racional, claro. Mencionou Hume na reflexão sobre o que supostamente aconteceria após a igualdade total, ao dizer que, neste ponto, começaria todo o processo de diferenciação novamente e que tal igualdade só se manteria por meio de algum governo totalitário. Mais tarde, voltaria a Hume, ao falar de particularidades da natureza humana - "O homem está entre o pombo e a serpente" - e com isso dizer, quando a conversa trilhava caminhos políticos, que o homem não é anjo de forma alguma, e que a política é também um mercado e feita por gente que sabe jogar. Quem não sabe jogar, é ingênuo a este ponto, não se estabelece - citou o exemplo de Leon Trotsky, intelectual e um dos líderes da Revolução Russa, que acabaria sendo posto de lado por Stalin, que se valeu de seu conhecimento de uma retórica e conhecimento da arte política de que Trotsky não dispunha.
Alberto Oliva lançou então a pergunta "que podemos conhecer?" e referiu-se então a outros pensadores como Montaigne, Kant e Max Weber, que em "A ciência como vocação" diz que cada problema bem formulado levará a outros problemas (e não à extinção de todos eles). Começa a falar de Estado, referindo-se a Hobbes, e finalmente chega a Marx, donde se estenderia quase até o final de sua palestra.
Marx chega com o seu discurso que contrapõe aqueles filósofos que, segundo ele, tiveram a única preocupação de interpretar os fatos, a sociedade, a natureza, quando as idéias devem vir para transformar tudo isso. Alberto Oliva critica bastante essa visão que se divorcia dos significantes reais para lançar um projeto de sociedade ideal. Aí, Oliva sublinha bem uma diferença que verifica, por exemplo, em "O Capital". Na produção de conhecimento, existe a realidade julgando as teorias, bem como a teoria julgando a realidade. As primeiras são facilmente reconhecidas, posto que são testadas empiricamente, postas à prova na natureza - exemplificou assim: o homem que disse que não, a água não necesariamente ferve a 100 graus centígrados, pôde colocar tal afirmação à luz da realidade e, de fato, provar que haviam outras variáveis envolvidas. Já com as últimas não é bem assim, e foi aí que citou "O Capital": segundo Oliva, Marx, nesse texto, inicia refutando, uma a uma, as teorias que vão ao encontro do modo de produção capitalista (falou de Adam Smith e Ricardo), mas que, a um certo ponto, Marx começa por atacar os próprios MPCs, o próprio advento do Estado, o que já é a teoria julgando a realidade, isso sem apresentar uma realidade alternativa sustentada por premissas realmente válidas, mas sim por algumas bastante questionáveis, como a que diz que a teórica ditadura do proletariado se dissolverá naturalmente.
O professor ainda falou sobre democracia e opinião pública, principalmente relacionando ao Brasil, onde crê que existe na verdade o democratismo. Isto porque a democracia de fato deve limitar sim poderes, estabelecer mecanismos de controle, distribuição (e não concentração) de poder.
No meio disso tudo, pôs de um lado os teóricos do Falibilismo, para os quais o conhecimento é falho e se convive com cenários de incertezas, concepção iniciada por Sócrates ("Só sei que nada sei.") e segundo a qual a verdade pode até ser alcançada, mas nós não temos como saber; de outro, o Justificacionismo, que trabalha com a idéia de que a realidade pode ser completamente justificada, linha por onde anda o racionalismo e o idealismo.
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3 comentários:
Tentei, mas ainda ficaram de fora alusões à tragédias gregas e Shakespeare, só pra citar alguns. Ah, e ele foi mais afundo do que eu relatei em todos os pontos.
Comparando o método científico de Karl Popper com a visão baconiana da ciência, Ernest Gellner afirma em "Relativism and the social sciences" ("Relativismo e as ciências sociais"):
"a definição do método científico de Popper difere da versão baconiana de empirismo por sua ênfase na eliminação em vez da ênfase na verificação. No entanto eles têm em comum um determinado ponto: quer nós verifiquêmos ou refutemos, de qualquer forma fazêmo-lo com a ajuda de duas ferramentas e apenas duas: a lógica e a confrontação com os factos. As teorias são julgadas por dois juízes: consistência lógica e conformidade com os factos. A diferença entre os dois modelos situa-se apenas em saber se os factos condenam os pecadores ou canonizam os santos. Para o jovem Popper havia alguns pecadores apropriadamente certificados, mas nunca santos definitivamente canonizados".
A última sentença do trecho acima relaciona-se diretamente com a frase
"a verdade pode até ser alcançada, mas nós não temos como saber". Esta é a lógica do método científico: não existe uma verdade definitiva, mas verdades que vão sendo substituídas por novas verdades à medida que as primeiras vão sendo refutadas.
Isso. E esqueci de tocar num ponto por ele bastante enfatizado que é o da criatividade como ferramenta essencial no processo de transformação das estruturas vigentes, aliada à crítica e tão ou mais importante que ela.
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