segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Caminhos (pela metade)


Pior foi quando não podia mais terminar o que, consciente, havia deixado pela metade. E era muita meia coisa.

Era tanto vento que o castelo não resistira sequer à fração de tempo em que o menino solicitou ao pai que olhasse seu pequeno feito. “Pai, olha, meu caste...”, e o vento decapitou duas das três torres. O pai, que lutava nervosamente contra o mesmo vento na tentativa de ler o jornal, desviou meio segundo os olhos para o filho e sua assimétrica construção, moveu os lábios traçando uma boca reprovativa e balançou a cabeça negativamente. A mãe já tinha ido pra casa_ queria tomar banho de sol, não de areia. Mas pouco importava, ela já vira seus castelos muitas vezes, foi quem o ensinara a construí-los. O menino queria apresentar sua arte ao pai, pois raro era o momento em que podia mostrar como se tornava esperto à medida que crescia. Certamente não sabia tanto quanto o pai, que era bem maior que ele, mas disseram-lhe que um dia chegaria lá. Ultimamente vinha fazendo muitas descobertas. Uma dúzia eram doze ovos e meia dúzia eram só seis. A lua era feita de queijo e não era bom olhar muito tempo pro sol. As formigas pouco resistiam à concentração dos raios solares na lupa de um amiguinho, mas era feio fazer isso com os pobres insetos que, afinal, também tinham uma casa. E o mais incrível: coelhos não colocavam ovos, nem meia dúzia. A questão do Coelhinho da Páscoa ficou confusa, mas a tia da escola disse que ele era um coelho especial que punha ovos especiais e, quando perguntou se ele conhecia algum outro bicho que pusesse ovos de chocolate, o menino só pôde concordar, sabia que a tia sabia bem mais que ele, assim eram os adultos. Sabia também, pelo tio, que a água fortalecia a areia, embora tivesse sido um tanto difícil de entender isso já que a água justamente parecia encolher seus castelinhos. Aprendeu que teria que usar mais areia, mas que a água era sim essencial se quisesse erguer uma fortaleza segura. Foi buscar mais água com seu baldinho. Antes avisou ao pai, que não lhe deu atenção_ parecia preocupado, a testa franzida sobre os óculos escuros. O mar estava revoltoso. As ondas, reparou o menino, tinham aumentado de número e iam e voltavam em maior velocidade. Não teve medo, sua mãe lhe ensinara que, se respeitasse o mar, ele não o faria mal algum. Respeitá-lo significava não passar da beirinha.

Caminhou em direção ao oceano pois tinha um castelo a construir.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossas vidas são como esses castelos...
Prefiro que o meu seja construído por uma criança que tenha esperança de mostrar um trabalho bem feito, mesmo que seja preciso enfrentar ventos, água e descaso...
Alguém que perceba que metade é pouco e que a totalidade não existe... e que a fração de tempo em que o castelo permanece intacto deve ser contemplada!