segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Em si (fora de contexto)

Vão em vida (...)
Primeiro a força. A ficha cai. Depois, a fraqueza.
No impulso último se despede de sua propriedade. Parte-se em migalhas que pouco recordam o segundo anterior. A explosão fôra grande. Afinal, tudo poderia ser menor. Parca definição de silhuetas. Talvez estivesse em outra galáxia, nenhuma diferença faria. Reconheceu ao seu lado um velho abajur de lâmpada cega. Mais à frente, notou uma esfera de tristelento andar, que percorreu uma trajetória óbvia na mesa de pinball, até cair em algum vão e desaparecer. Sentiu um vazio. Não era fome, não era frio. Era como se ainda estivesse caindo, mas o mundo lhe parecia parado; era como se estivesse girando, mas o mundo lhe parecia quadrado. Tentou visualizar um ponto fixo específico, mas tudo se apresentou imóvel à mesma maneira. Fechou os olhos demoradamente, quem sabe estivesse sim num movimentado sono. Sentiu uma certa resistência ao tentar abri-los novamente, e quase sorriu pensando ser a luz do dia a lutar contra sua pupila dormente. Mas não. Olhos abertos, o que identificou foram os mesmos pesados traços de rara retidão. Aquilo o estava sufocando e era cada vez mais concreto e estreito. Até que um som veio lhe trazer outro suspiro, quando nem sentia soar as batidas de seu coração. Era uma marcha precisa, marcada em intervalos rigidamente iguais. Um relógio. O tempo, enfim, voltava a dar sinais. Ganhou calma e sentou-se sobre o que parecia ser uma pedra. Quem o visse diria se tratar de uma estátua, homem em reflexão, cotovelo sobre a perna, mão sob o queixo; quiçá até um filósofo. Em verdade, o único pensamento que tinha é que era estático: tudo era, afinal, uma questão de tempo. Desapareceu.
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Dá-se por si e está caminhando para algum lugar, vindo de outro mais vago ainda. Sente-se num desenho animado, colinas se perdendo à vista, um caminho sublinhando os bosques, árvores de primavera e algo de faz-de-conta no ar. Enquanto segue em frente, corre os olhos ao redor, à procura de um outro personagem. Nenhum movimento e muito silêncio, em pouco tempo, já não se apercebe de nada. Vai assim, distraído, quando surge, por detrás de um arbusto, um menino de cabelos encaracolados – toma um susto. Diz-lhe o menino, com voz suave, que não tenha medo, que é só um menino. Pede desculpas, explica que andava desatento, pensando. É claro que estava pensando – respondeu o garoto – pude ver bem acima de ti. Deu-se conta, o menino não falava, melhor, não se ouvia sua voz, dava-se o diálogo através de balõezinhos legendados, como numa história em quadrinhos. Vendo a cara perplexa e de estranheza daquele homem (e lendo seus pensamentos confusos bem acima de sua cabeça), o garoto riu, discretamente, e se pôs a explicar: se há, por aqui ou por detrás destas intermináveis colinas, algo de real... são os pensamentos. Nada de concreto de fato existe, a não ser que se diga: existe só para si. Em comum, tu e eu, temos a vida, mas poucos têm satisfação em dividi-la. Por fim, cada um tem o seu mundo pensado_ dirão, a solidão. Iguais na essência, mas igualmente perdidos por falsos desejos. Constroem personagens para atuar de forma diversa nesse ou naquele contexto, porque, parece-lhes, é impossível representar o mesmo papel em quadros tão desencaixados. Assim vão sendo contextualizados automaticamente, enquanto suas verdadeiras vidas estão em cantos escuros de um longínquo primeiro capítulo. Sinta a artificialidade no ar...

Com essas reticiências, desfez-se o menino e a cena toda em que se encontrava. Uma profusão de pensamentos seus, feitos fumaça, subiu os céus, em busca de outros ares.

Um comentário:

Anônimo disse...

bom comeco