quarta-feira, novembro 29, 2006

Reino dos sonhos

Por enquanto, o sonho ainda reina. José, sentado em uma pedra mais anatômica ri do que vê. Sentiu-se cansado e nem deu explicações, só um telefonema. Dava tempo ainda e foi. O mar era a resposta que procurava, mas isso só revelou-se nas pedras. No caminho, no ônibus, só seguia o que, por alguma razão, era o correto. A praia era sua e já era tardinha. O vento marinho cheirando a frescor, a falta de problemas, gelava. Enconstou-se como podia, cobriu-se com seu terno e dormiu tranqüilo. Ali, ninguém acharia José.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Redenção

Um para cada lado foi como seguiram depois da despedida. Roberto foi enfático, mas não queria aquilo. Foi um blefe. Achou que quando Vanessa sentisse que realmente teria coragem de terminar com tudo, tomaria tento da realidade e desistiria daquela idéia idiota de separação.


Passara duas semanas de cão. Demorou para entender o que Vanessa queria. Começou reclamando de qualquer erro dele, coisas que sempre fez agora eram motivo de reprovação imediata. O pessoal do trabalho já estava comentando. Comia pouco, não falava, estavam estranhando seu mau humor. Mas bem que a Doutora Fernanda e a estagiária dela entenderam direitinho o que estava acontecendo e já botavam as asinhas de fora. Olhavam-no como duas raposas caçando: olhares vorazes. Roberto não se preocupou com isto. Não naquelas semanas em que aquilo que via crescer desmoronava. Quando ele finalmente resolveu questionar como ela agia de maneira estranha, Vanessa desconversou – Ai, não é nada. Que mania de sempre achar que é alguma coisa. Só tô cansada, trabalhei prá caralho hoje – mas estava estranha. Estava estranha, mas desconversava, e foi o que lhe deu forças para blefar no momento fatídico.

Tá acontecendo ou não? Coisa estranha, absurda, sem importância, cretina. E o telefone não toca. Não toca e não adianta ficar olhando para ele. Bobagem. Primeiro, é como o mundo caindo, depois, como se tudo fosse se resolver num estalo, num clique. Será? Puta merda, parece que esperou eu me convencer, isso não se faz. Gosto porque não tenho? Mas tenho ainda. Não sei. Preciso descobrir a palavra mágica, sei que existe. Vou dizer e tudo vai voltar ao normal, ninguém vai mais tocar no assunto, vai me abraçar, me beijar, e vamos sorrir. Que que eu fiz, porra? Que merda será que eu fiz? Ou não fiz. Alguém fez... caralho, puta que pariu, isso não. Que merda. Vou pressionar. Mas não vou ligar. Vou esperar, deixar. Não vai se agüentar e vai me ligar. Ou mandar mensagem. Aí sim, aí vai ver, vou tirar isso a limpo.

A ligação não fora esclarecedora. Ela não confessou nada, pelo contrário. Negou e disse que nunca o trairia, que o amava. Aquilo deixou Roberto mais puto do que nunca. Como assim amava, caralho? Quem ama gosta, quer estar junto, quer conversar, tocar. Ela comportava-se de maneira diametralmente oposta. Como ele sentia sinceridade no seu tom de voz, a única conclusão lógica a que podia chegar é de que era um trouxa muito fácil de ser enganado. Quantas vezes já teria sido crédulo desta maneira? Todos os fatos apontando para um lado, mas uma explicação combinada de uma voz arrependida o levavam a acreditar no absurdo. Despediram-se e foi dormir bravo com sua estupidez.

“E aí, que que deu?” foi a primeira coisa que Vinícius lhe perguntou pela manhã, no cafezinho. O seu, grande e amargo, o dele, doce. Tomavam o primeiro ali, ao lado da cafeteira e levavam o próximo para suas mesas. Não deu nada, conversamos durante um bom tempo, mas ainda não sei o que que houve direito. Ela tá confusa. “Toma uma atitude então, rapá. Diz pra ela que ou dá ou desce. Ou vai prum puteiro curtir a fossa, hahaha. Pode não resolver o teu problema, mas pelo menos tu comeu alguém.”
Não é preciso dizer que a conversa não ajudou e que o trabalho não rendeu como deveria mais uma vez. Pelo menos estava emagrecendo. Sentia o vazio no estômago cada vez que pensava na vida de solteiro. Aquilo dava medo. Será que conseguiria sobreviver naquele mundo novo? Teria que conhecer gente, refazer agenda, uma sucessão de primeiros encontros, mesmos papos, mesmos fins de semana naqueles lugares com aquele monte de gente otária. Voltaria a ser um deles, mais uma vez. Não queria, mas Vanessa que colocou nas mãos dele. Estava decidido.

Roberto blefou. Foi ele quem disse, com todas as letras, que tinha acabado. Não era palhaço para ficar passando por aquilo. Não era palhaço, mas deu alguns passos e virou-se, esperando o arrependimento. Vanessa continuou caminhando, não titubeou. Ele ficou assistindo ela chegar ao chafariz antes de desistir e continuar caminhando na direção oposta. Ela era bonita e não teria dificuldades de achar um novo namorado. Ele sabia que ela gostava dele e que não acharia fácil a separação. Mas tremeu quando ela não virou para a última olhada. Já não tinha tanta certeza de que ela voltaria para seus braços.

Vanessa agüentou firme até o carro. Entrou, colocou a chave na ignição e desabou em choro. Não sabia se era aquilo que queria, nem se não era. Não queria nenhuma alternativa possível. Só gostou de ele ter dito, nunca teria feito sozinha.

LOVE

quarta-feira, novembro 22, 2006

sabe chorar de alegria?
lágrimas lilás
de um jacarandá
bem no meio da rua

terça-feira, novembro 21, 2006

;-)

Recebo uma boa notícia e me quedo feliz. Esqueci do resto do dia e pintei um novo com as cores dessa voz. As janelas que me circundam guardam um azul que pressente um verão. Há de vir em breve. Por enquanto, silencio um sorriso entre parênteses.

O Problema do Oligopólio no Voto em Sistemas Multipartidários

Governos de coalizão são formados para fugir do dilema que surge quando nenhum partido sozinho recebe apoio da maioria dos eleitores. Mas, quando os eleitores percebem que serão governados por uma coalizão, um efeito de realimentação ocorre e muda a natureza do voto.
Os eleitores racionais não votarão mais no seu partido ou candidato preferido; ao invés, levarão em conta as possíveis coalizões que surgiram devido à distribuição dispersa dos votos dos demais eleitores. Assim, a decisão do eleitor racional passa a depender de como ele pensa que os demais eleitores votarão: as eleições se tornam jogos, com os eleitores buscando estratégias mais favoráveis através da análise dos possíveis passos uns dos outros.
Anthony Downs, Uma Teoria Econômica da Democracia, clássicos 15, edusp, 1999, p. 170-171.

sexta-feira, novembro 17, 2006

Milton Friedman

Morreu o economista Milton Friedman. Fundador da Escola de Chicago, ganhador do prêmio Nobel de economia de 1976 e da medalha John Bates Clark de 1951. Sua contribuição foi inestimável ao advogar sobre a importância da quantidade de moeda como instrumento de política governamental e como determinante dos cíclos de negócios e da inflação, e também para o refinamento da função de consumo, através da hipótese da renda permanente.
Foi responsável, juntamente com Friedrich von Hayek pela revitalização das teorias econômicas liberais na segunda metade do século XX. Nos anos 1970 e 80, contribuiu para a aplicação dos princípios liberais em diversos países como Estados Unidos, Inglaterra e Chile.

quarta-feira, novembro 15, 2006

Outro Engano

Não tenta falar de amor
Com quem não se importa
Cantando baixinho, sussuro
Amordaçado, carente

Emenda sonho e dor
Fala depressa, inventa
Renega carinho, orgulho
Engole o choro num soluço

Deixa de lado, vem
Vem sem pressa, meu bem
Foi-se embora mais um ano
Ano que vem, outro engano

Fala passando a mão
Quero carinho compassado
Vou me fazer de coitado, e depois
deixar marcada a dentadas

E depois tudo de volta
Atarantado, que cena!
Sem cortejo, choro, nem vela
Mudo, calo, e tu consentes

Tentaste e eu te avisei
Tem coisa que não vale a pena
Passar por trouxa não paga
O gosto da sinceridade

Deixa de lado, vem
Vem sem pressa, meu bem
Foi-se embora mais um ano
Ano que vem, outro engano

terça-feira, novembro 14, 2006

É simples

Heard Somebody Say
Devendra Banhart

I heard somebody say
That the war ended today
But everyone knows it's goin' still

Our motherlands and motherseas
Here's what we believe
It's simple
We don't want to kill

I heard somebody say
That the war ended today
But everyone knows its goin' still

Our motherlands and motherseas
Here's what we believe
It's simple
We don't want to kill

Oh, it's simple
We don't want to kill
Oh, it's simple
We don't want to kill
Oh, it's simple

segunda-feira, novembro 13, 2006

Resgate

Pouca trégua deram as tempestades na última estação. Era a terra secar e já caíam mais dois metros de água. Doze ilhas submergiram, outras doze se formaram. Tivemos que construir pontes improvisadas. Nada fácil plantar assim, nesses terrenos sofridos - a semente custa pegar vida. Foi preciso investir nos mais altos terrenos, pra recomeçar. Trocar as árvores caídas por um verde baixo. Não fosse a matéria orgânica a dar fertilidade teríamos saído do zero. Mas a terra conhece nossa história, sabe onde e com que força estão entrelaçadas nossas raízes. Elevamos nosso solo, e de istmo em istmo, buscamos nossas ilhas. Conquistamos um continente, que só nós poderíamos resgatar. Somente amar atravessa certos mares. E há mares que vem pro bem.

Verde

Amadurecer é deixar de se comunicar estritamente com o umbigo.

sexta-feira, novembro 10, 2006

Otimizando


Correto, certo, fechado. Como planos tangenciando no ponto certo, uma formiga neoclássica vaga entre as dimensões. Imaginando bolas abertas, que delimitam fronteiras sem nunca chegarem perto o suficiente, escolhem o ponto ótimo, aquele no qual estão mais próximas da fronteira. A todas essas, as cordas vibrantes compõem formas de Calabi-Yau, e a formiga sente-se a vontade, em um mundo que não compreenderíamos, e onde, certamente, iríamos pirar, por não compreender. Afinal, se o papel não comporta, como podemos admitir que existe?

quinta-feira, novembro 09, 2006

Nadar

O mundo inteiro me chacoalha: ânsia e angústia me respiram. Cápsula. Giro. Imagino um ar - tento parar. Mas o tempo me foge, o movimento me trai: prevejo um vômito. A garganta é a casa da angústia. E o vazio, a morada da ânsia. Não sei engolir: vomitar. O mundo inteiro me chacoalha. Perco o chão. Ou ganho o ar. Fica mais nada, do espaço que perdi, do tempo que ganhei. Antevejo uma liberdade que não sei.

Verdade

Contei a estória ao contrário, para evitar maiores sustos. Tudo explicado de tim-tim por tim-tim, que surpresas não me estavam programadas.
Mas me enganei no resultado. Contando ele primeiro, acabei por evitar os rompantes, mas arranjei os porquês. Que bela sarna me arranjei, ninguém esperou o último deles, já queriam saber do primeiro.
Eu não gosto do alvoroço, e isto já deve ter ficado claro. Pois dele não me livrei e, agora, ainda tinha que agüentá-lo do avesso.

terça-feira, novembro 07, 2006

Avesso e diverso

posso muito bem ser avesso
ou ser bem diverso e também desconversar
- ser ave de gesso

posso alçar vôo só num verso lento
um verso devagar de momento
divagar sobre uma nuvem de sentir
ou passar veloz submerso em mim
posso até um que outro divertir
por este ou por aquele fim

bem mais difícil seria divergir
deste outro que me é sem eu ser
deste que é diverso ao meu verso de rimar
deste que se constrói sobre palavras
aversões desassentadas de suas terras

bem mais difícil seria dissecar o espírito ora difuso
enxugar essas letras úmidas de mergulho raso
declinar deste impulso que toma ares alheios
pousar bem no meio deste signo que indica o tesouro

poder não ter certas contradições
mas as contradições certas
poder perder a voz mas não a vez
ser um paradoxo flexível
com loucuras de embriagar
e asas de também repousar

poder até usar a rima
assim, como lazer
poder dizer por cima do pescoço
eu não sou de gesso
escolher que poder mereço

A prática

As ações são muito mais sinceras do que as palavras.

Scudéry, Madeleine