Vão em vida (...)
Primeiro a força. A ficha cai. Depois, a fraqueza.
No impulso último se despede de sua propriedade. Parte-se em migalhas que pouco recordam o segundo anterior. A explosão fôra grande. Afinal, tudo poderia ser menor. Parca definição de silhuetas. Talvez estivesse em outra galáxia, nenhuma diferença faria. Reconheceu ao seu lado um velho abajur de lâmpada cega. Mais à frente, notou uma esfera de tristelento andar, que percorreu uma trajetória óbvia na mesa de pinball, até cair em algum vão e desaparecer. Sentiu um vazio. Não era fome, não era frio. Era como se ainda estivesse caindo, mas o mundo lhe parecia parado; era como se estivesse girando, mas o mundo lhe parecia quadrado. Tentou visualizar um ponto fixo específico, mas tudo se apresentou imóvel à mesma maneira. Fechou os olhos demoradamente, quem sabe estivesse sim num movimentado sono. Sentiu uma certa resistência ao tentar abri-los novamente, e quase sorriu pensando ser a luz do dia a lutar contra sua pupila dormente. Mas não. Olhos abertos, o que identificou foram os mesmos pesados traços de rara retidão. Aquilo o estava sufocando e era cada vez mais concreto e estreito. Até que um som veio lhe trazer outro suspiro, quando nem sentia soar as batidas de seu coração. Era uma marcha precisa, marcada em intervalos rigidamente iguais. Um relógio. O tempo, enfim, voltava a dar sinais. Ganhou calma e sentou-se sobre o que parecia ser uma pedra. Quem o visse diria se tratar de uma estátua, homem em reflexão, cotovelo sobre a perna, mão sob o queixo; quiçá até um filósofo. Em verdade, o único pensamento que tinha é que era estático: tudo era, afinal, uma questão de tempo. Desapareceu.
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Dá-se por si e está caminhando para algum lugar, vindo de outro mais vago ainda. Sente-se num desenho animado, colinas se perdendo à vista, um caminho sublinhando os bosques, árvores de primavera e algo de faz-de-conta no ar. Enquanto segue em frente, corre os olhos ao redor, à procura de um outro personagem. Nenhum movimento e muito silêncio, em pouco tempo, já não se apercebe de nada. Vai assim, distraído, quando surge, por detrás de um arbusto, um menino de cabelos encaracolados – toma um susto. Diz-lhe o menino, com voz suave, que não tenha medo, que é só um menino. Pede desculpas, explica que andava desatento, pensando. É claro que estava pensando – respondeu o garoto – pude ver bem acima de ti. Deu-se conta, o menino não falava, melhor, não se ouvia sua voz, dava-se o diálogo através de balõezinhos legendados, como numa história em quadrinhos. Vendo a cara perplexa e de estranheza daquele homem (e lendo seus pensamentos confusos bem acima de sua cabeça), o garoto riu, discretamente, e se pôs a explicar: se há, por aqui ou por detrás destas intermináveis colinas, algo de real... são os pensamentos. Nada de concreto de fato existe, a não ser que se diga: existe só para si. Em comum, tu e eu, temos a vida, mas poucos têm satisfação em dividi-la. Por fim, cada um tem o seu mundo pensado_ dirão, a solidão. Iguais na essência, mas igualmente perdidos por falsos desejos. Constroem personagens para atuar de forma diversa nesse ou naquele contexto, porque, parece-lhes, é impossível representar o mesmo papel em quadros tão desencaixados. Assim vão sendo contextualizados automaticamente, enquanto suas verdadeiras vidas estão em cantos escuros de um longínquo primeiro capítulo. Sinta a artificialidade no ar...
Com essas reticiências, desfez-se o menino e a cena toda em que se encontrava. Uma profusão de pensamentos seus, feitos fumaça, subiu os céus, em busca de outros ares.
segunda-feira, fevereiro 20, 2006
domingo, fevereiro 19, 2006
segunda-feira, fevereiro 13, 2006
Caminhos (pela metade)
Pior foi quando não podia mais terminar o que, consciente, havia deixado pela metade. E era muita meia coisa.
Era tanto vento que o castelo não resistira sequer à fração de tempo em que o menino solicitou ao pai que olhasse seu pequeno feito. “Pai, olha, meu caste...”, e o vento decapitou duas das três torres. O pai, que lutava nervosamente contra o mesmo vento na tentativa de ler o jornal, desviou meio segundo os olhos para o filho e sua assimétrica construção, moveu os lábios traçando uma boca reprovativa e balançou a cabeça negativamente. A mãe já tinha ido pra casa_ queria tomar banho de sol, não de areia. Mas pouco importava, ela já vira seus castelos muitas vezes, foi quem o ensinara a construí-los. O menino queria apresentar sua arte ao pai, pois raro era o momento em que podia mostrar como se tornava esperto à medida que crescia. Certamente não sabia tanto quanto o pai, que era bem maior que ele, mas disseram-lhe que um dia chegaria lá. Ultimamente vinha fazendo muitas descobertas. Uma dúzia eram doze ovos e meia dúzia eram só seis. A lua era feita de queijo e não era bom olhar muito tempo pro sol. As formigas pouco resistiam à concentração dos raios solares na lupa de um amiguinho, mas era feio fazer isso com os pobres insetos que, afinal, também tinham uma casa. E o mais incrível: coelhos não colocavam ovos, nem meia dúzia. A questão do Coelhinho da Páscoa ficou confusa, mas a tia da escola disse que ele era um coelho especial que punha ovos especiais e, quando perguntou se ele conhecia algum outro bicho que pusesse ovos de chocolate, o menino só pôde concordar, sabia que a tia sabia bem mais que ele, assim eram os adultos. Sabia também, pelo tio, que a água fortalecia a areia, embora tivesse sido um tanto difícil de entender isso já que a água justamente parecia encolher seus castelinhos. Aprendeu que teria que usar mais areia, mas que a água era sim essencial se quisesse erguer uma fortaleza segura. Foi buscar mais água com seu baldinho. Antes avisou ao pai, que não lhe deu atenção_ parecia preocupado, a testa franzida sobre os óculos escuros. O mar estava revoltoso. As ondas, reparou o menino, tinham aumentado de número e iam e voltavam em maior velocidade. Não teve medo, sua mãe lhe ensinara que, se respeitasse o mar, ele não o faria mal algum. Respeitá-lo significava não passar da beirinha.
Caminhou em direção ao oceano pois tinha um castelo a construir.
sexta-feira, fevereiro 10, 2006
quinta-feira, fevereiro 09, 2006
segunda-feira, fevereiro 06, 2006
Mercados resolvem
"Um fazendeiro de Curvelo (167 km de Belo Horizonte) resolveu cobrar um pedágio de R$ 10 dos automóveis que quiserem cortar caminho por sua propriedade, após a interdição de uma ponte na BR-135. "
(Folha Online, 04/01/06 - http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u74940.shtml)
Muita gente acha que o estado deve agir onde mercados falham. Aí está o mercado agindo onde governos falham.
Antes que alguém reclame da atitude do fazendeiro, lembre-se que a alternativa dos motoristas, caso ele não tivesse tomado esta atitude, seria não seguir viagem.
(Folha Online, 04/01/06 - http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u74940.shtml)
Muita gente acha que o estado deve agir onde mercados falham. Aí está o mercado agindo onde governos falham.
Antes que alguém reclame da atitude do fazendeiro, lembre-se que a alternativa dos motoristas, caso ele não tivesse tomado esta atitude, seria não seguir viagem.
Economizar no Paraguay - no sentido de não gastar muito - é difícil a um brasileiro. Os preços em guaranies, convertidos em reais, tornam-se muito tentadores. Com dez mil guaranies (4 reais) se faz uma boa refeição. Hoje, de volta a Porto Alegre, paguei, com um nó na garganta, dez reais pelo almoço. São 25 mil guaranies!, pensei...
Isso não torna a vida do povo de lá mais fácil, como tu bem sabes. Ganhe-se proporcionalmente menos, bem como ter emprego é difícil tarefa. Não bastasse isso, o maior problema parece ser a estagnação no tempo, o continuísmo de práticas políticas conservadoras, ecos de uma longa ditadura, algo que parece freá-los, tirando-lhes a voz que permitisse acompanhar essa onda latina de "esquerda", "populista" ou "popular", o tempo dirá melhor que eu. Como disse Veríssimo em sua coluna na Zero Hora de hoje, a hipocrisia, que passou a ser intrínseca à política, tem suas fases agudas e crônicas. No Paraguay é como se a aguda tivesse virado quase usual, e talvez seja difícil de se ver através dela.
Voltando ao meu período de 15 dias por lá. Tratei de não gastar muito (e consegui), não trouxe nenhum eletrônico de e a única presenteada será minha mãe que completará anos na quarta-feira. E de recuerdo, claro, trouxe para mim uma camisa da seleção paraguaia que custa três vezes menos lá, e dois quilos do meu dulce de leche favorito.
De modo que é extremamente lucrativo fazer uma viagenzinha de compras para nosso querido país vizinho. Mas, no meu caso, o lucro foi me buscar na rodoviária.
Isso não torna a vida do povo de lá mais fácil, como tu bem sabes. Ganhe-se proporcionalmente menos, bem como ter emprego é difícil tarefa. Não bastasse isso, o maior problema parece ser a estagnação no tempo, o continuísmo de práticas políticas conservadoras, ecos de uma longa ditadura, algo que parece freá-los, tirando-lhes a voz que permitisse acompanhar essa onda latina de "esquerda", "populista" ou "popular", o tempo dirá melhor que eu. Como disse Veríssimo em sua coluna na Zero Hora de hoje, a hipocrisia, que passou a ser intrínseca à política, tem suas fases agudas e crônicas. No Paraguay é como se a aguda tivesse virado quase usual, e talvez seja difícil de se ver através dela.
Voltando ao meu período de 15 dias por lá. Tratei de não gastar muito (e consegui), não trouxe nenhum eletrônico de e a única presenteada será minha mãe que completará anos na quarta-feira. E de recuerdo, claro, trouxe para mim uma camisa da seleção paraguaia que custa três vezes menos lá, e dois quilos do meu dulce de leche favorito.
De modo que é extremamente lucrativo fazer uma viagenzinha de compras para nosso querido país vizinho. Mas, no meu caso, o lucro foi me buscar na rodoviária.
quarta-feira, fevereiro 01, 2006
"Com a justificativa de participar de congressos e cursos de qualificação, vereadores e servidores de câmaras municipais estão fazendo roteiros turísticos pelo país com viagens custeadas pelos legislativos. " (Zero Hora, 01/02/2006)
O trecho acima dá muito pano prá manga. Em primeiro lugar, não são viagens custeadas pelos legislativos, mas viagens custeadas pelos cofres públicos. Mais, são viagens custeadas por impostos. Melhor ainda, são viagens custeadas pelos salários e demais rendimentos das pessoas que moram nestes municípios e também do resto do país, afinal, existem repasses dos estados e do governo federal para os municípios.
Outro ponto interessante é o papel da imprensa livre como instituição fiscalizadora da sociedade. Ainda que o reporter não tenha motivos nobres como lutar pela verdade (talvez ele só queira ganhar prêmios ou vender jornal, ou talvez seja um idealista mesmo), o resultado é o mesmo, e é isto o que importa. Existe quem ache que a imprensa deve responder a alguém. Mas, será que as preferências de um grupo são as mesmas de toda a sociedade (ou, vá lá, da maioria da população)? Talvez o grupo no poder em determinado momento fosse composto dos amigos dos vereadores turistas e, em agrado a seus compadres, os controladores da imprensa, nomeados pelos donos do poder, acabassem com os jornais, revistas, canais de rádio e TV que pudessem apresentar pudores cívicos e denúnciar a mamata. Ou, inversamente, talvez os inimigos dos vereadores turistas estivessem no poder e, por isto, estes nem teriam sido eleitos. Mas, quem sabe se os vereadores amigos dos inimigos dos vereadores turistas não seriam piores ainda? O que importa é que, sem uma imprensa livre, ficamos à mercê do grupo político no poder. E, sem a imprensa livre, o grupo político no poder pode utilizar sua influência para perpetuar-se.
Mais uma questão. Com as leis que temos, seria de se estranhar se nossos legisladores NÃO tomassem este tipo de atitude. Primeiro, que não é em qualquer emprego que se consegue receber alguns salários para ir para a praia passear. Se eu não espero ser pego (e eles pareciam ter certeza da impunidade) por que não fazer?! Segundo, com esta possibilidade aberta, quem irá se esforçar mais para ser eleito? Alguém honesto que pretende trabalhar pelo bem da população ou alguém que quer férias muito bem pagas? Garanto que o que espera usufruir das benesses do cargo despenderá mais recursos. Até porque, uma vez eleito, o desonesto tem uma fonte a mais de recursos de campanha.
É brabo mas é queijo.
O trecho acima dá muito pano prá manga. Em primeiro lugar, não são viagens custeadas pelos legislativos, mas viagens custeadas pelos cofres públicos. Mais, são viagens custeadas por impostos. Melhor ainda, são viagens custeadas pelos salários e demais rendimentos das pessoas que moram nestes municípios e também do resto do país, afinal, existem repasses dos estados e do governo federal para os municípios.
Outro ponto interessante é o papel da imprensa livre como instituição fiscalizadora da sociedade. Ainda que o reporter não tenha motivos nobres como lutar pela verdade (talvez ele só queira ganhar prêmios ou vender jornal, ou talvez seja um idealista mesmo), o resultado é o mesmo, e é isto o que importa. Existe quem ache que a imprensa deve responder a alguém. Mas, será que as preferências de um grupo são as mesmas de toda a sociedade (ou, vá lá, da maioria da população)? Talvez o grupo no poder em determinado momento fosse composto dos amigos dos vereadores turistas e, em agrado a seus compadres, os controladores da imprensa, nomeados pelos donos do poder, acabassem com os jornais, revistas, canais de rádio e TV que pudessem apresentar pudores cívicos e denúnciar a mamata. Ou, inversamente, talvez os inimigos dos vereadores turistas estivessem no poder e, por isto, estes nem teriam sido eleitos. Mas, quem sabe se os vereadores amigos dos inimigos dos vereadores turistas não seriam piores ainda? O que importa é que, sem uma imprensa livre, ficamos à mercê do grupo político no poder. E, sem a imprensa livre, o grupo político no poder pode utilizar sua influência para perpetuar-se.
Mais uma questão. Com as leis que temos, seria de se estranhar se nossos legisladores NÃO tomassem este tipo de atitude. Primeiro, que não é em qualquer emprego que se consegue receber alguns salários para ir para a praia passear. Se eu não espero ser pego (e eles pareciam ter certeza da impunidade) por que não fazer?! Segundo, com esta possibilidade aberta, quem irá se esforçar mais para ser eleito? Alguém honesto que pretende trabalhar pelo bem da população ou alguém que quer férias muito bem pagas? Garanto que o que espera usufruir das benesses do cargo despenderá mais recursos. Até porque, uma vez eleito, o desonesto tem uma fonte a mais de recursos de campanha.
É brabo mas é queijo.
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