Dava-se assim. Sobre seu ombro tagarelava uma ave de penas aveludadas. Seus olhos diziam apenas - sem sobre isso deixarem dúvidas - que a habilidosa língua não cansaria nas horas vizinhas (eram olhos a verem dois lados de uma só vez, conscientes da enorme fila de idéias que se amontoavam na mente insana daquele papagaio). Seu ouvido direito, que tinha o privilégio de ouvir as últimas sempre em primeira mão, já funcionava como uma dessas desconhecidas vias por onde passavam seus próprios pensamentos, de modo que poderíamos dizer, sem prejuízo algum, que era a ave a pensar por ele - pelo menos enquanto desperta. É verdade que seus sonos nunca coincidiam, já que o silêncio, para ele, ganhara tons insuportáveis. Não falava, o dono do ombro - pelo menos não enquanto desperto. E, provavelmente, seus textos oníricos fossem uma desordenada reverberação do que ouvira em vigília. Do sonho pulavam palavras como peixes exaustos de água. Eram breves os saltos e logo o mergulho. Num dos raros momentos, o ar preso, o ar tenso, um raio de luz servindo de linha, uma palavra como que pescada - e, ao mesmo tempo, salva - de um profundo e negro pesadelo. E não foi murmúrio, não teve o azedo da boca. Foi como um soluço, sintético e dono de si. O dono do ombro disse e quem teve perto ouviu; o mais distraído ouviu. Ouviu o irrepetível.
E depois também sonhou.
terça-feira, março 25, 2008
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Um comentário:
Notei uma semelhança do papagaio, figura que só repete o que houve, sem ter a real consciência do que está dizendo, com o livro tatuado que é repetido e repetido e repetido e repetido. E imitado.
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