quarta-feira, março 26, 2008

Wingedleaves

Um monte de coisa legal e diferente para baixar. Sugestão: The Mars Volta

terça-feira, março 25, 2008

III Canto - I rascunho

Um pé no chão
e outro suspenso
quem sabe dançando
a fogo lento

A vida chama
que acende e queima
vida derrama
um balde de tinta na gente

E a gente vela
e desvela
a gente tenta
Pô-la na tela

Fazemos arte
a gente parte
e a vida
cumprimenta

Música: Gabriel Marques
Letra: Rômulo Arbo
Não consegui postar o link pro Cê, último do Caetano (2006, eu acho, mas nunca tinha ouvido). Então deixo uma frase dele que certamente antecipa um post meu, dita numa entrevista pra Folha, também lá por 2006. Mas se não ouviu o disco, procura e ouve, achei muito bom. E olha que nunca fui muito de Caetano.

Fica a frase...
"A esquerda é como torcida de futebol. As pessoas ficam cegas. Eu sou um simpatizante da esquerda por sede de harmonia, de dignidade e de Justiça. Mas vejo freqüentemente que a esquerda é quem mais ameaça essas coisas que me levaram a me aproximar dela."

Odes

quem sobrevive ao des
contexto?
ninguém contesta
- ninguém, constato

des
ocupa lugares
que nem ares
vão

des
de tudo o avesso
de nada também
...tem

des
cubro de versos
de poucas palavras
um único lúcido,
um único louco

des
arranjo dois tempos
e tento curá-los
espelho
mas sem solução

des
vi o olhar
de um desses óbvios
dessas causas, desses efeitos

des
acordo no meio
de uma aflição
des anima o profeta, o cometa e o avião

des arranca dores
amores e heróis
destrói a obra que começa
e a constrói num outro des aviso

des
liga a tv
passa o café e
cansa
desmorona também
aquele que mora

A vígilia (começa no sonho)

Dava-se assim. Sobre seu ombro tagarelava uma ave de penas aveludadas. Seus olhos diziam apenas - sem sobre isso deixarem dúvidas - que a habilidosa língua não cansaria nas horas vizinhas (eram olhos a verem dois lados de uma só vez, conscientes da enorme fila de idéias que se amontoavam na mente insana daquele papagaio). Seu ouvido direito, que tinha o privilégio de ouvir as últimas sempre em primeira mão, já funcionava como uma dessas desconhecidas vias por onde passavam seus próprios pensamentos, de modo que poderíamos dizer, sem prejuízo algum, que era a ave a pensar por ele - pelo menos enquanto desperta. É verdade que seus sonos nunca coincidiam, já que o silêncio, para ele, ganhara tons insuportáveis. Não falava, o dono do ombro - pelo menos não enquanto desperto. E, provavelmente, seus textos oníricos fossem uma desordenada reverberação do que ouvira em vigília. Do sonho pulavam palavras como peixes exaustos de água. Eram breves os saltos e logo o mergulho. Num dos raros momentos, o ar preso, o ar tenso, um raio de luz servindo de linha, uma palavra como que pescada - e, ao mesmo tempo, salva - de um profundo e negro pesadelo. E não foi murmúrio, não teve o azedo da boca. Foi como um soluço, sintético e dono de si. O dono do ombro disse e quem teve perto ouviu; o mais distraído ouviu. Ouviu o irrepetível.
E depois também sonhou.

segunda-feira, março 24, 2008

Desabar

enxada não é uma palavra pontiaguda
como faca
mas dói a pancada
- dói pacas

ele escolheu palavras secas
nada que a atravessasse
algo que matasse
por hemorragia interna

burilou uma alavanca de metal
em uma dúzia de sílabas
uma frase rasteira, os olhos cínicos segurando o tempo do tombo
o tempo do tombo pesando, a cabeça
enxada

não fez corte, não foram palavras pontiagudas
a morte foi interna
e as lágrimas já nem eram de desilusão
desabaram de um corpo tombado, vítima de enxágue

morreu numa cascata acidental

sexta-feira, março 07, 2008

Por querer

Silvia caminhou sozinha através do parque escuro e escolheu um banco isolado o suficiente para pensar e desabou. Com certeza não convinha a uma guria, ou qualquer um que tivesse algo a perder, andar àquelas horas em tal lugar. Não via ninguém por ali, somente vultos que deslocavam-se por entre as árvores, como se o movimento fosse necessário para a sobrevivência naquele habitat.

Vinha da rua pouco iluminada que presenciara seu quase choro evidenciado por seus olhos vermelhos. Havia postes de quando em quando, intercalados por escuros que a protegiam. Mas ainda podia ser vista por qualquer estranho que passasse. Um rapaz fumando na janela do prédio da outra calçada a deixou mais envergonhada. Preferia sair dali.

Tinha há pouco descido do ônibus no qual o cobrador, o casal do segundo banco e o senhor no fundo olhavam-na como a um animal raro que quer explodir de tanto chorar. O motorista continuou a guiar mas, mesmo assim, a viagem pareceu durar uma eternidade, tantas voltas deu aquele ônibus. As curvas misturadas com sua cabeça cheia deixaram-na enjoada. Precisava urgente de ar fresco.

Saiu do prédio sem saber se sentia raiva ou uma tristeza vazia e escura e que toma o lugar de todas as outras coisas até deixar tudo completamente gelado. Não era a primeira, mas não sabia se não era a última. Os seus olhos tinham uma coisa diferente desta vez. Ele disse e mirou prá acertar. Ele escolheu as palavras pela dor que elas trariam.

quinta-feira, março 06, 2008

Pois eu quase parti.
Já com a mala fechada caiu tudo por água abaixo.
Agora vou, mas numa viagem menor.

Vou bem mais perto e volto logo
E tudo fica prá mais longe
Volto a esperar até a hora chegar

Sucede assim, o doce tirado
Fico parado e largo a mochila
Só me resta contar

Ou quem sabe, já que não foi agora
Fica prá mais tarde, aguardar de novo não é mais problema
Ainda resta comemorar.

Desavisado

Fôra devidamente avisado sobre a natureza daqueles homens, cheios de dúvidas. Preparou-se para um arsenal de perguntas como quem se prepara bem para um arsenal de perguntas: juntou um punhado de substantivos bem substantivos e não economizou energias em trabalhar nos melhores adjetivos. Era simples, mas potente, tinha certeza.

Debruçou-se na tarefa de distribuir didaticamente as palavras pelas frases e chegou a testá-las no ar. Eram belas as frases suas. E diziam tudo. Ainda assim, fez lembretes pra animar a memória. Via-se municiado de todas respostas.

Foi quando um homem só lhe pregou a peça. Um homem muito só. Tão só nesta vida que desacompanhado da mais elementar das dúvidas. Um homem que, antes de não saber, não detivera a sombra do que um dia chamou-se pensamento. Este homem, que nunca pensou, não podemos dizer que era um ignorante.

Pois bem, foi este homem que nem chegava a ser ignorante que o deixou mudo, frente a tamanha pergunta. Uma questão cínica de tão tarde que lhe vinha bater a porta. E trágica, pois parecia acelerar o tempo de uma forma absurda, que seu coração nem faria menção de acompanhar. Estático, boquiaberto. Certamente fôra neste instante, no instantâneo deste instante, que lhe entrara pela boca a pergunta do outro, e foi tomar seus pulmões. Ar. A pergunta lhe salvara. Mas como viveria com uma dúvida daquelas?

morte no primeiro dia

Renato controlava sua impetuosidade inata

com doses mensais de quatro domingos

nas segundas renascia em si

(tempestades cinza-escuras)

chovia na terça em treze minutos

e na quarta-feira era evaporado

e na quinta dose de um fígado cansado

derrubava a mesa de um jogo acordando

consertava arestas, era sexta-feira

pressentiu um sopro de dias passados

mas não via o tempo, era muito lento

eram sete dias e já estava indo

era um tanto louco aquele de repente

já chegou domingo, já morreu Renato

Desumana

coberta de neve parecia nula
não estava mais, não estava nua
nada parecia com uma voz que soa
nada se mexia, nem a vida à toa
era um frio isento deste que arrepia
um vazio que corta deste que ignora
ela não sofria, tinha a pele dura
era branca a pele e nem refletia
não havia vento, nem um som suspenso
eu olhava aquilo e nem era denso
de uma violêcia que emudece o eco
era tão intenso que não repetia
tinha tanta idade quanto um segundo
era tão estranha tanto quanto o mundo
decorou o livro todo
como se o tivesse tatuado em pensamento

era tatuagem que ostentava orgulhoso
decorou o livro todo

mas era um livro ruim
desses que levam a vida
pra contar

o que faz o sofrimento

- sequer uma palavra
,disse
e ninguém emitiu um ai

houve o som
ainda que você não possa ouvir, houve

hoje só se lembra de ouvir
a gente muda
(que não quer repetir)

Descaminho

olho do avesso minhas passadas
passo desencontrado, joelho torcido
indago como terei sido

a sombrancelha cede:
sou desta linha

desta linha que atravessa um tango
e submete o passo
que repete o giro
até cansaço

desta linha que tropeça em fuga
até que muda e sobe um monte
e antes da pressa
olha enviesado os vales
que antecedem horizonte