sexta-feira, março 31, 2006

nuar

canta desejo contido
em interjeições comedidas

canta sopros de vento,
descobrimentos,
por forças telepáticas

canta a imagem invertida,
o sublime invisível

é silencioso o canto dos olhos

quarta-feira, março 29, 2006

A geometria do adeus

Barcos se vão
e deixam pra trás
traços de que foram
antes que chegasse a distância.

eles se vão
e deixam desatados
laços do que foram,
do que eram 'inda agora
- mas agora é só silêncio.

aponta longe a pirâmide,
sofre a saudade embalsamada
nas profundezas, nos sarcófagos,
deste lago, deste lago de quem fica.

[a partir de leituras sobre Tales de Mileto]

terça-feira, março 21, 2006

A Firma

Na firma, cada um tem a sua função definida. E tem hierarquia também. Tem gerente, chefe da boca, tem o pessoal da logística, da segurança, o pessoal da linha de montagem. Tem até office-boy.
A firma existe porque dá lucro. Porque tem gente que gosta do que a firma faz. Mas a firma também entrou nessa de responsabilidade social. Além do lucro de seus acionistas, a firma também preocupa-se com o bem estar da comunidade. A firma dá segurança para a comunidade, já que as autoridades competentes não são nada disto. Segurança e botijão de gás. Sem falar nos empregos mais bem remunerados que os moradores podem arranjar. E tem plano de carreira. Seu pessoal costuma entrar cedo e trabalhar lá até o fim dos seus dias.
Mas, como qualquer outra empresa do país, ela tem problemas com a burocracia. Não consegue autorizações e tem que fazer as coisas com jeitinho. É isto que estraga a firma. Sem propina, ela não conseguiria funcionar. Nem ela nem a polícia. É a firma que mantém a polícia.

segunda-feira, março 20, 2006

da altura do décimo quarto andar
diz a janela escancarada
"insignificante"

revezam-se com rapidez as nuvens,
os tons entre escuro cinza
e azul petróleo, segundo um colega

as sombras, em menor velocidade,
escalam os altíssimos prédios,
imóveis projetanto-se em seus semelhantes

o sol vai descendo, como em toda tarde
(agora se vê melhor)
antes houve uma chuva que só no rio se percebeu,
ali, no cais do porto, às aguas se agitaram,
as mesmas águas de março
que a essa hora parecem espelho intocável

há uma bóia de forma triangular,
o laranja se enxerga de longe mesmo
mesmo quieto assim,
os barcos devem conhecê-la

houve um saco plástico
desses de supermercado
vindo dum desses picos
acompanhei-o já em sua dança decadente
foi para entre dois carros
em frente ao mercado público

muitos ônibus dobram esquinas
e sobem essa rua de mão única
o fluxo é constante e agitado
lá no fundo, um viaduto
a cidade termina pra quem vai à esquerda
e à direita começa tudo de novo

são muitas janelas
e, sabe-se, muita gente por detrás,
mas não se as pressente,
parecem mais, esses gigantes cinzas,
o centro onde se mastiga e morre o tempo

abre-se agora um espaço
e se mostra um azul original
bem como o branco de alguma nuvem
lá atrás, uma fileira delas, as mais escuras,
traçam linhas de chuva que se vão em diagonal

e debaixo, da praça frente à prefeitura,
vem um som tradicional
que se cumprem nos dias próximos
os anos dessa capital
e, entre muitos, os meus

quarta-feira, março 15, 2006

Não foi coragem o que levou Fulano a ir-lhe aos beiços. Foi muito mais o sentimento de um animal acuado. Nunca fora valente. Sempre preferiu a apatia para tratar de seus problemas. Esse era seu problema.
Por sua vez, Tadeu não esperava por aquilo. Com o tempo, já tinha aprendido a manha de Fulano. Este nunca reclamava das meninas que lhe mandava. Sua voz no telefone parecia pedir desculpas. Freqüentemente, mandava as meninas cobrar além do acordado. E Fulano pagava. Perguntava se o preço não era outro, mas sempre aceitava o preço dado. Pagava e ligava de novo. Quando Tadeu pediu para Fulano guardar um pacote em sua casa, Fulano tentou desconversar, disse que não sabia, mas o primeiro conversou-lhe o suficiente para que aceita-se. Sabia como convencer um bunda mole.
Mas um dia, Fulano chamou pela Vanessa. Adorava a Vanessa e só não pedia sempre por ela por vergonha de pagar sempre pela mesma mulher. Suas pernas estavam maiores do que nunca! Os cabelos pretos bons de puxar. Mas não estava muito falante. Parecia distante, mas fulano nunca foi de fazer perguntas.
Quando Vanessa já estava fumando seu cigarro, uma batida na porta. Fulano ficou decididamente nervoso, já que não costumava ter ninguém à porta àquela hora. Não costumava ter ninguém que não esperasse batendo na porta. Não tinha amizades e nem visitas. Era sempre o entregador, alguma encomenda, ou uma menina.
Era Tadeu, visivelmente alterado. Cheirava a álcool, mas parecia lúcido e transtornado. Seus olhos não paravam em ponto algum, prestava atenção em tudo ao mesmo tempo. Nem deu bola para Fulano e foi direto em direção à Vanessa. Chamou-a de puta e deu-lhe de mão aberta. Ela caiu sobre os joelhos, chorando, com a blusa meio aberta, sem sua saia. Fulano disse para Tadeu acalmar-se, para sentar, e Tadeu soltou os cachorros em Fulano. Mauriçola de merda. Fica na tua que não sobra prá ti. A moça levantou-se e fez menção em ir para o quarto quando levou um soco. Ela não emitiu um som sequer. Mas Fulano, que estava apavorado, acuado no canto da sala, foi para cima de Tadeu e arrebentou-lhe a cara com um soco, deixando o malandro, que era acostumado com as brigas da rua, estirado no chão.
Com a Vanessa ninguém mexia.

quinta-feira, março 09, 2006

Meu caro amigo, eu não pretendo provocar
nem atiçar suas saudades
mas acontece que não posso me furtar:

Calmas ondas de mar...
soam promessas de vida
na bonança que vem
no remanso do carnaval

[verão, tem fim não, tem começo - de março]

Cataventos de Osório
fabricam novos ventos
e novos eventos apontam no horizonte
vai!, avante!, escolhe a peça e move, adiante!

Parabéns, um passo à frente
e mais outro, que arrisque;
um que te sustente
e um outro que te busque

(Dança uma folha no céu)

Brinca com seu par
e joga com tempestades,
economiza em velocidade
e aprecia o tempo, o vôo, a liberdade - troféu

{meu caro amigo, chico buarque; águas de março, tom jobim}

segunda-feira, março 06, 2006

Foi-se o tempo.
O que era bom já não é mais. O inadmissível tornou-se corriqueiro. Quem imaginaria?
E o estranho é que não estranho nada.

sexta-feira, março 03, 2006

ZELIG

Foste tu? Fui eu?
ó, não saberei dizer
foi você quem prometeu
- e quem disse não temer?

ó, não saberei recontar
dos riachos e pedras por que passei
porque não sabem a água, o limo ser outracoisa
mas eu sei bem, eu me identifiquei
com um camaleão,
sei não...
não há rimas para zelig