quarta-feira, agosto 20, 2008

Guardar - Antonio Cicero

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que um pássaro sem vôos.

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

sábado, agosto 16, 2008

Novamente, os incentivos

Dois grupos de tamanhos equivalentes, com objetivos semelhantes, atuando sob as mesmas regras e em um mesmo "mercado". De posse da informação que a remuneração total dos integrantes do primeiro é 4 ou 5 vezes a remuneração do segundo, a teoria econômica indicaria que aquele teria um desempenho superior ao deste, tudo o mais constante. Entretanto, ao observarmos os 2 maiores clubes de futebol do Rio Grande do Sul, a evidência empírica sugere exatamente o contrário. Enquanto o Grêmio, com um grupo de jogadores de baixo custo para os padrões da primeira divisão do Campeonato Brasileiro, sustenta a liderança em praticamente todos os indicadores de desempenho, o rival Internacional, com um dos grupos mais caros do futebol nacional, não consegue avançar para além de posições intermediárias na tabela de classificação.
Será que, para o futebol sul brasileiro, a teoria econômica não se aplica? Ou será que a relação correta é quanto mais barato um jogador, melhor seu desempenho e quanto menor seu salário, maior será seu esforço em prol do grupo? Creio que, se esta fosse a relação correta, clubes como o São José de Porto Alegre ou o São Luiz de Ijuí seriam, sistematicamente, mais bem sucedidos do que a dupla Grenal no Campeonato Gaúcho, por exemplo. Assim, é necessária uma explicação mais convincente para este fato.
É preciso registrar que tudo o mais não é constante. Mas, ainda assim, as diferenças parecem apontar em favor do Inter. Diferenças de entrosamento entre os grupos de jogadores poderia ser responsável por uma diferença de desempenho que compensaria a superioridade das peças individuais do Inter. Mas, o grupo tricolor é até mais novo que o grupo colorado. O grupo que vinha jogando até o meio do ano no Inter se conhece a mais tempo e já era mais caro e mais bem remunerado.
Neste ponto, um esclarecimento, se faz importante. Estamos supondo (alguns vão discordar) que os dirigentes não são idiotas. A implicação prática disto é que um jogador custa caro porque já mostrou que é bom. Um jogador é barato ou porque é ruim mesmo, ou talvez porque ainda é muito novo e não sabemos muito sobre suas capacidades. Sim, existem exceções. Um fulano em algum time da série C que nunca recebeu a devida oportunidade, ou o estrelinha que é contratado por rios de dinheiro e não joga nada. Mas podemos inserir estas assimetrias informacionais ao modelo sem problemas. A qualidade de um jogador segue determinada distribuição de probabilidade cuja média aumenta de acordo com seu preço.
Além da qualidade, uma outra variável que pode influenciar o desempenho do grupo é o esforço de cada um dos seus integrantes. E é razoável supor que o desempenho esteja diretamente relacionado com este esforço. E por que alguns ou todos os jogadores haveriam de se esforçar? O esforço não é uma variável diretamente observável. É difícil afirmar que um jogador está dando o seu máximo ou se ele está "enganando" um pouco. Ele sabe melhor que seu treinador se poderia correr um pouco mais ou focar-se mais nos treinos. É do interesse do clube que seus atletas se esforcem ao máximo, dêem seu sangue pelo clube. Mas, para o atleta, o esforço é um custo, como em qualquer outro trabalho. Pois, porque o esforço não é diretamente observável, pagar altos salários pode até ajudar a trazer jogadores talentosos, mas não necessariamente os incentiva ao máximo esforço.
Uma possível resposta para a diferença de desempenhos apareceu na imprensa especializada na última semana. De acordo com o site de notícias esportivas do Terra, "no Grêmio, metas alcançadas valerão prêmios em dinheiro". Valores crescentes são oferecidos ao grupo de acordo com as conquistas no Campeonato Brasileiro. Cada rodada dentro do grupo que se classifica à libertadores rende R$50 mil ao grupo. Uma vaga para a Copa Sul Americana vale R$800 mil. Um lugar na fase preliminar da Libertadores vale R$1,5 milhões e uma vaga direta R$2 milhões. O título do brasileirão vale R$3 milhões para serem repartidos entre o grupo.
Confesso que não sei como funciona a política de remuneração variável no Internacional. Mas, caso a maior parte da remuneração do elenco colorado seja composta por salários fixos, então, a diferença de desempenhos é bem explicada pela compatibilidade de incentivos nos dois grupos. A compatibilidade de incentivos é uma característica do comportamento de indivíduos em grupos nos quais a melhor estratégia de um indivíduo é seguir as regras. Supondo que grande parte da remuneração dos gremistas é variável enquanto a remuneração dos colorados é toda ou principalmente fixa, os dirigentes gremistas souberam desenhar regras que garantem compatibilidade de incentivos entre o clube e os jogadores. Isto é, a melhor estratégia para os jogadores é um alto esforço. Como o desempenho (variável observável) relaciona-se diretamente com o esforço (variável não observável), o tipo de contrato desenhado pelos dirigentes gremistas oferece alta remuneração para bons resultados e má remuneração para maus resultados. enquanto isso, para bons ou maus resultados, os jogadores colorados recebem o mesmo salário. Logo, os objetivos do clube, títulos, não são os mesmos dos seus jogadores, alta remuneração e baixo esforço.
É evidente que estes não são os únicos motivos que explicam o atual momento dos dois clubes. Fatores como presença de lideranças, ambiente de trabalho e tantos outros fatores sujetivos (o famoso jargão, futebol é momento) são tão ou mais importantes para explicar os desempenhos dos dois times. Também, os jogadores não são máquinas que procuram tirar o máximo de dinheiro dos clubes e descansar o máximo possível. O simples fato de colocarem um título a mais em seus currículos seria motivo para aumentar o esforço despendido. Mas, não há como negar que o dinheiro é um excelente incentivo de curto prazo e que o tipo de contrato a que cada grupo está sujeito deve explicar, ao menos uma pequena parte, de porque o grupo mais fraco apresenta desempenho tão superior ao do grupo claramente mais forte.

segunda-feira, agosto 11, 2008

falt'ar

corredor de espelhos
(a fuga não procede)
caminho em cacos
vãos e falsos

não penetra uma luz
não sobra um escuro
é tudo tão sem falta
falta de fim
e de começo

ah, a vida ao avesso
olho no espelho que trai
distrai

um cômodo átono
de fôlego trôpego
rio represado