Em metade vos digo, assombro um bar na cidade baixa. Enquanto espio, solito, o vai e vem dos passantes, dou de quando em quando um gole miúdo na minha cerveja, regulando para que, ao mesmo tempo, dure tempo suficiente e não esquente. Suficiente porque não quero ir para casa, e porque não posso pedir mais uma. Restrição auto-imposta esta. Penso que não posso exagerar todas as noites, e todas as noites, salvo algum compromisso, cada vez mais raros estes compromissos, estou aqui, na mesma cadeira, olhando o movimento. Ficar em casa é suicídio, no sentido literal da palavra. Bater cabeça, como se diz. Quando muito bate, a cabeça racha.
Fregueses vão, alguns ficam. Outros chegam e passam. A minha mesa é sempre minha, ninguém toca. Sempre a mesma, canto de lá da porta, bom para observar. Chego cedo e vejo tudo, sei quem vem seguido, quem é novo, quem leva a namorada para casa e volta para caçar, quem liga pro namorado e diz que está com a amiga. A noite desenvolve-se à minha volta e eu funciono como um sol, observando a movimentação previsível. Dois pontos. Primeiro, sou um sol por estar no centro, não por brilhar. Muito pelo contrário, me torno opaco em meio àquela agitação. De início, ainda existo para um ou outro marinheiro de primeira viagem. Logo, como não me movo, não falo e muitos duvidem que escute, acabo um móvel ao qual não se dá pelota. Segundo, o centro fica por minha conta, fruto do meu exclusivo ponto de vista, completamente individualista, de que tudo o que existe tem a mim por ponto zero. Mais uma semelhança, assim como o astro, chega a hora em que me recolho.
Começo de semana eu sou dos últimos a deixar o recinto. Vai se aproximando o fim da semana, o povo resolve ficar mais além, eu tenho minha rotina. De qualquer maneira, termino minha garrafa e dou adeus. Isto é forma de dizer pois não me despeço de ninguém. Quando em vez tento alguma piada que o garçom retribui com um sorriso amarelo de quem precisa garantir sua clientela. Volto a pé, moro perto. O apartamento pequeno é de frente, há quem procure exatamente um destes. Eu não gosto. Escuto as pessoas transitando e me lembro que não tenho mais vida. Já chorei, confesso. Sábado é o dia mais foda. Deitar sozinho, dormir sozinho, saber que semana que vem será igual, e que na próxima e na seguinte e sucessivamente. Virei nisso. É o que uma mulher é capaz de fazer com alguém.