Prudência era uma senhora de traços bem marcados. Passara anos longe da vida pública das palavras, quando muito aparecia numa esquecida nota de roda pé. Na fase madura, despontara com vistosas maçãs no rosto. Como era saudável, a senhorita Prudência! E todos vinham à sua janela ouvir suas ponderações. Começava cedinho, mal o galo cantava, faziam fila em frente à casa de Prudência. Eram tempos em que havia algum. Deixavam um agrado, a maioria, mesmo que Prudência não solicitasse. Houve quem fizesse igreja, Igreja da Santa Prudência, que tomou bairros distantes. Facilitava, encurtava caminho, as pessoas conversavam com uma imagem de Prudência e seu olhar interrogativo. A Prudência era amiga das interrogações, respondia com perguntas, sempre. Era bom ouvir suas perguntas, fazia parecer que o tempo nem era urgente. Até o dia em que encontraram Dona Urgência estirada na avenida, atropelada por um corretor de ações. O som das sirenes comprou buzinas e despertadores, até apropriar-se definitivamente dos já desgastados canto do passarinho e correr do riacho. Prudência já não escutava o sino de sua igreja (ainda havia uma, próxima de sua quitinete). Comprou um MP3 player pra melhor ponderar. Investiu em um bom par de fones, não os tirava nem para dormir, e isso era prudente, pois a noite deixara de existir havia um bocado de anos.
A Prudência pensava no sentido da vida, de sua vida. Onde se encaixava sua existência? Ela esmorecia, mas isto não significava que se tornava imprudente. Há palavras de honra. Prudência tateava o ar de uma dimensão que se desinventava.
quarta-feira, maio 30, 2007
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