segunda-feira, junho 04, 2007

Grovska ( 2 )

Derrubou o telefone no susto. Heitor desapareceu. Bruna chamava André, desde o azulejo frio da cozinha, sabendo nada do que se passava. Ouvia seu nome, cada vez mais alto, como no despertador. Mirava o telefone, era sua namorada chmando da Itália, tanto queria lhe falar. Mas se mantinha inerte. Balbuciou, o medo antecipando-se às sílabas: Gro-vs-ka.

O que lhe acontecera? Parecia um papagaio, seu vocabulário reduzido a uma palavra. Tentou mais uma dúzia de vezes e comprovou. Era Grovska, e nada além disso. Estava perdido, não podia recorrer à Bruna, que a esta altura nem estava mais na linha, tampouco entenderia. Precisava de um amigo, alguém haveria de ter idéia do que se lhe passava, alguém que o ajudasse a recuperar suas palavras. Não podia aquilo: falava, mas não havia conexão com sua vontade. E que diabos era Grovska? Soava como russo, como se estivesse bêbado - sim, como se falasse enquanto garagarejava uma considerável dose de vodka. Tentou acalmar-se. Foi lavar o rosto. Ainda tinha seus pensamentos. Era só uma questão de libertá-los. Escovou os dentes, a escova de Bruna. Olhava-se no espelho, não parecia diferente em qualquer aspecto. Foi ligar o computador, mandaria e-mails para os mais chegados. Desistiu assim que começou a escrever - leriam tarde, certamente, e ainda responderiam com incredulidade. Teve uma idéia, buscou o celular. Mandaria uma mensagem de socorro. Pensou no único amigo que poderia estar acordado àquela hora. Gustavo tinha uma academia de ginástica, levantava cedo. Apressou-se em digitar.

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O telefone tocou. Atendeu sem pronunciar sua sentença. Gustavo chamou:
- André?
- Grovska... esforçou-se para dizer, apesar da vergonha: era necessário que o amigo ouvisse. Gustavo desatou a rir. Fez elogios ao bom humor de André em pleno meio de semana.

- Mas e aí, o que me conta, rapaz?
- ...
- Hã?
- Grovska.
- Tss. Tá, guri, vi levar adiante agora essa história? Que que é, saudade da Bruna? Tá carente, é?
- ...
- André?
- Gr...ovs...ka.
- Ô André, quer saber, vai tomá banho! Eu tenho mais o que fazer.

É. Ele também não o levaria a sério. Bobagem que fizera, chamar o Gustavo. Tinha de buscar um médico, e teria de ir pessoalmente. Foi vestir-se. Era caso de ir no pronto-socorro. Era isso que faria. Lembrou-se ainda de pegar papel e caneta, de algum jeito expressaria seu martírio e faria entender-se. Não deixou de ajeitar a gravata, a situação solicitava credibilidade. Pegou as chaves e dirigiu-se à porta.

O som das chaves entrechocando-se o despertou.

- Grovska!, disse ao acordar. Achou estranho, tossiu, esqueceu. Heitor olhava-o ao pé da cama, a testa enrugada.

Um comentário:

Felipe disse...

Continuou bem, muito bem!!!