Não tendo tinta, jogou-se na tela o pintor.
Nota de um crítico sobre a obra:
Dizem, a vida imita a arte. Eis que surge esse sujeito - não sei de onde e não vem ao caso - e transforma, num só tempo, vida, morte e arte, esse triunvirato tão indissociável que às vezes nos aparece sem os contornos da diferença. Está lá o espetáculo da morte, tão banalizado nas cenas do cotidiano, tão nosso, e ao mesmo tempo ainda assombroso, dando a asfixiante sensação de que secreta em quaisquer dos pontos em putrefação na tela, ou em todos de uma só vez, um enorme buraco negro, fim de toda existência, de toda razão, de toda beleza. Está igualmente lá uma massa de cores aleatórias, todas elas sem nunca terem transparecido tanta vida, jamais haviam transposto o descaso de retinas indiferentes à sua pele mestiça, retinas reticentes em enxergar para além de órgãos, cartilagens, ossos e sangue, agora todos estes expostos, nus, estalados no que antes era somente branco, decompondo-se e se derramando tela abaixo, deixando-nos estupefatos, mais ainda porque a gravidade lhes impõe a mesma lei a nós imposta, como se negasse a ausência de suas almas ou, mais assustador, a presença das nossas. Por fim, lá está também, ou sendo uma estranha coexistência de morte e vida (ou coinexistência), a arte, em sua sorte invariável de narrar o inenarrável, de cumprir a impossível tarefa de, tendo esgotado as descrições informativas, fazer saber o homem que ele é o desaparecimento de todas as dualidades.
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3 comentários:
Esta é a verdadeira essência de arte, em qualquer de suas formas. Uma obra de arte, para fazer juz a este título, deve conter o artista. Quando alguém consegue mostrar-se através de sua obra, nem que seja da forma visceral e literal como o fez o pintor, ganha o direito de ser chamado de artista.
Este é um que vale ser lembrado para o concurso da FABICO, não achas? Abraço
Talvez, mas agora já passou o prazo, acabei inscrevendo de última hora somente aquela poesia que sugeriste.
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